Tendo crescido em uma cidade pequena no interior de Santa Catarina, sempre tive uma visão um tanto temerosa e preconceituosa a respeito de São Paulo. Conhecendo-a apenas pelas manchetes de jornais, eu via a capital paulista como um local caótico e pouco hospitaleiro. Tive a oportunidade de visitar rapidamente a cidade algumas vezes nos últimos anos, mas nenhuma dessas visitas tinha feito eu mudar de ideia. Isso só aconteceu por causa de uma experiência mais recente. Quando fui convidado a fazer parte do júri na Mostra Internacional de Cinema, passei duas semanas lá. Ao final da Mostra, minha visão era outra.

Logo de início, a HQ faz uma contextualização para quem não é de São Paulo, explicando que em 2016 o então prefeito Fernando Haddad criou um programa chamado “Ruas Abertas”, que determinava que a Avenida Paulista ficasse fechada para carros nos domingos e feriados, das 10h às 18h (esse horário depois se estendeu para as 19h). A ideia era trazer as pessoas para a rua, oferecendo programação cultural gratuita no centro de São Paulo. A iniciativa deu certo, tornando a avenida o palco de um mini-carnaval que acontece toda semana.
Thiago parte de um relato pessoal sobre a sua própria experiência visitando a avenida num domingo para criar a narrativa. Quem já foi lá, vai reconhecer diversos lugares e situações que ele descreve. Embora em alguns momentos o autor exagere um pouco no seu relato, propondo uma experiência quase metafísica, em outros ele oferece uma descrição honesta e apurada daquela situação – como quando fala que a avenida cheira a “comida, suor, perfume, asfalto e urina”.
Durante o horário de fechamento das ruas, as pessoas circulam livremente dentro daquele espaço. E a arte de Souto emula essa liberdade: sem se limitar ao uso de quadros, os desenhos do artista parecem flutuarem em meio ao espaço pré-estabelecido das páginas, sem obedecerem a uma ordem ou uma temporalidade óbvia. Mais do que isso, porém, o que fica clara é a relação de amor e ódio que Thiago tem com a cidade, e com a avenida. Tal dicotomia é representada aqui pelo uso de duas cores, rosa e preto.
Assim, é notável que essas duas cores se misturem durante o tempo em que o autor está na avenida, somente para se separarem quando ele se prepara para ir embora. É como se os seus problemas com a cidade se os atenuassem durante aquele curto período de tempo, mesmo que depois eles voltassem a prevalecer. Foi isso que eu senti quando estive lá. Por um momento, São Paulo não me pareceu tão assustadora. Pareceu quente, e acolhedora.
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