Os primeiros minutos do thriller dinamarquês Culpa já apontam a eficácia com que sua narrativa será conduzida ao longo de todo o filme. O policial Asger Holm (Jakob Cedergren) trabalha como atendente no serviço de emergência da polícia. Sua atitude agressiva e desconfortável explicita sua inexperiência naquela função. Os diálogos com a supervisora informam que ele está ali a pouco tempo, e a contragosto. E a ligação de uma repórter, perguntando sobre a audiência do dia seguinte, fornece os detalhes que faltam: ele foi afastado do seu cargo por causa de alguma ação sua, ficando “de castigo” no serviço telefônico enquanto aguarda conclusão da investigação.
Próximo do final do seu turno, ele atende a ligação de uma mulher que, fingindo falar com a filha pequena, informa que foi sequestrada pelo seu ex-marido. Então, Asger tenta investigar o caso e salvar a vítima, mesmo estando limitado pelo confinamento do ambiente em que se encontra. Ao contrário da recente produção americana Chamada de Emergência, cuja narrativa se alternava entre a atendente do telefone e a vítima sequestrada, aqui nós nunca saímos de perto do policial, e este nunca sai da sala.
Em Culpa, o crime investigado pelo protagonista surge como uma maneira de expor os segredos que o ele próprio estava escondendo. Afinal, assim como na sua investigação, o seu crime também partiu de uma ideia deturpada de certo e errado, levando-o a tomar atitudes que ele não considerava equivocadas. O sequestro faz com que Asger mergulhe na escuridão de uma situação cujas reviravoltas podem trazer à tona os próprios segredos e culpas que ele carrega.
Eficaz ao explorar os limites daquele espaço confinado, a direção de fotografia assinada por Jasper Spanning faz uso de elementos diegéticos – como as cortinas e a luz vermelha acima das estações de trabalho – para estabelecer a ambientação sombria que envolve aquele personagem. Ao estabelecer uma relação entre escuridão e segredos, luz e verdade, é bastante significativo que o filme nos mostre o policial mudando de sala para um local mais escuro, somente para que, após o clímax, ele possa emergir para a luz, totalmente transformado.
Conseguindo manter a tensão ao longo de toda a projeção, o diretor Gustav Möller explora ao máximo as limitações impostas pela sua narrativa, demonstrando segurança na composição dos seus enquadramentos e no uso de planos-detalhes, sem que estes se tornem repetitivos ou gratuitos. Já o ator Jakob Cedergren, que passa a maior parte do tempo com a câmera colada no seu rosto, explora muito bem as nuances do seu personagem, demonstrando-as por meio de sua expressividade, sem a necessidade de verbaliza-las.
Vale destacar, porém, que o filme não se esforça para transformá-lo em um herói, nem para causar empatia no público. Em certo momento, por exemplo, Asger pede desculpas a um colega pelo jeito como o tratou. Mas o que parecia ser uma faísca de humanidade logo se mostra uma estratégia para extrair uma informação que ele necessitava. Ainda assim, conseguimos nos envolver com a sua situação. Não se trata de uma admiração – até porque muitas das suas atitudes são condenáveis, ilegais e colocam outras pessoas em risco –, mas do reconhecimento de uma personalidade complexa, repleta de falhas; características que o tornam mais humano.
FICHA TÉCNICA:
Título original: Den skyldige
Gênero: Thriller
País: Dinamarca
Duração: 85 min.
Ano: 2018
Direção: Gustav Möller
Roteiro: Gustav Möller e Emil Nygaard Albertsen
Elenco: Jakob Cedergren, Jessica Dinnage, Omar Shargawi, Johan Olsen, Morten Thunbo, Maria Gersby, Anders Brink Madsen.