Cineasta argentino radicado na França, Gaspar Noé ganhou notoriedade quando seu filme mais conhecido, Irreversível, fez algumas pessoas passarem mal e abandonarem a exibição no Festival de Cannes. A obra chocou os espectadores especialmente por causa da violência com que retratava uma cena de estupro. Desde então, Noé ficou conhecido como um realizador polêmico, alguém que produz um cinema visceral e de difícil digestão. Clímax é o seu mais recente trabalho nessa já repetitiva linha de produção.
Bastante improvisado e filmado sem um roteiro pronto, o longa acompanha um grupo de dançarinos franceses que se prepara para uma turnê internacional. Os ensaios acontecem num prédio escolar, e após o término de um desses ensaios, a coreógrafa do grupo organiza uma pequena confraternização. Porém, o que parecia ser uma simples comemoração do término de mais um ensaio lentamente se transforma numa experiência violenta e angustiante.
Noé não esconde que uma das suas principais influências é o cineasta surrealista Luis Buñuel, cujas produções desafiavam as convenções cinematográficas. Assim como os convidados do jantar burguês que não vão embora em O Anjo Exterminador, os personagens de Clímax não conseguem parar de dançar. A diferença é que o diretor argentino procura calcar sua obra na realidade, apresentando-a como “baseada em uma história real” e oferecendo respostas e explicações que talvez não fossem necessárias.
Ainda assim, Noé ousa ao desconstruir a narrativa tradicional – aquela com começo, meio e fim bem estabelecidos –, antecipando o seu clímax e focando sua atenção na decadência que surge após esse clímax. Existe um “final feliz”, mas isso acontece na metade do filme (com direito a créditos rolando), e não a encerra. O que se segue a este final é mais uma exploração da natureza humana, a parte da visão degradante e pessimista do realizador.
Repetindo algumas das suas principais características visuais, como a sua predisposição para o uso de planos-sequência, Noé coloca a sua câmera caminhando entre os personagens, num movimento ritmado e coreografado, tal como uma dança. O contraste proposto fica claro: movimento é harmonia, corte é conflito. Somente quando a câmera para de se movimentar, e passamos a ver montagens paralelas, é que percebemos os conflitos inerentes àquele grupo.
Essa lógica antes estabelecida é subvertida a partir da metade da narrativa, quando o movimento da câmera (agora na mão, tremendo) serve para explicitar e amplificar o caos e a violência. E nisso, o talento de Noé é evidente. Sua capacidade de extrair a visceralidade de cada situação é única, fazendo com que cada cena tenha o impacto de um soco no estômago – literalmente.
Nada disso, porém, é novidade. Noé já produzia esse tipo de imagem antes mesmo de ganhar sua notoriedade infame no festival francês. O uso constante de cores quentes (vermelho e amarelo) e o emprego da câmera como se fosse um personagem fazem deste filme um auto reflexivo – a sequência final parece ter saído diretamente de Irreversível. Essa intertextualidade mostra que o diretor busca sua inspiração sempre na mesma fonte, até esgotá-la. Talvez ele tenha atingido o clímax antes da hora.
Título original: Climax
Gênero: Drama/Thriller/Terror
País: França/Bélgica
Duração: 95 min.
Ano: 2018
Direção: Gaspar Noé
Roteiro: Gaspar Noé
Elenco: Sofia Boutella, Romain Guillermic, Souheila Yacoub, Kiddy Smile, Claude-Emmanuelle Gajan-Maull, Giselle Palmer, Taylor Kastle, Thea Carla Schott.