O Fantaspoa é um festival de cinema fantástico que acontece todo ano em Porto Alegre. Esse ano, especificamente, o evento foi realizado todo de maneira online, e gratuitamente, através da disponibilização dos filmes na plataforma Darkflix.
Também foi a minha primeira oportunidade de participar do evento (algo que eu sempre quis fazer). E embora eu não tenha conseguido assistir a tantos filmes quanto eu gostaria, o saldo foi bastante positivo.
Eu vi um total de sete filmes, o que é pouco, eu sei. Mas na sua maioria, foram filmes muito bons. Com exceção de um, que foi realmente muito ruim.
Infelizmente, eu perdi os longas-metragens brasileiros.
Tentei ver o elogiado Cabrito, mas tive problema na internet nesse dia, e o filme não carregou. No caso de Skull, o longa saiu de cartaz depois do sucesso do seu primeiro dia de exibição. Também não tive tempo de ver a antologia rodada durante a quarentena.
E como eu estava priorizando os longas-metragens, acabei não vendo quase nenhum curta. Sendo assim, vou me focar apenas nos longas-metragens e tentar compartilhar a minha experiência com vocês.
Ao longo deste post, eu vou:
- Apresentar cada filme, detalhando a sinopse e dados técnicos;
- Fazer uma análise breve sobre cada um desses filmes;
- Disponibilizar fotos e trailers daqueles de quase todos os filmes.
Mas isso não é tudo! Eu também gravei um episódio especial do nosso podcast dedicado ao Fanstapoa. Mais informações sobre o podcast estão disponíveis abaixo:
Podcast 7 Marte – Fantaspoa 2020
Caso você prefira me ouvir falar sobre os filmes de maneira mais espontânea sobre os filmes, escute o episódio especial do Podcast 7 Marte dedicado ao Fantaspoa.
Você pode escutar o programa clicando no player abaixo. Também estamos disponíveis no Spotify, Deezer, Breaker, Google Podcasts, RadioPublic, Pocket Casts, Overcast, Apple Podcast e Player FM.
Mas chega de enrolação. Vamos para a lista com:
Os filmes que eu vi no Fantaspoa 2020
Conforme mencionado antes, eu não consegui ver muita coisa. Mas a maioria dos que eu vi foram ótimos filmes. Alguns deles devem chegar ao Brasil em breve. Outros têm menos chances de aparecer por aqui.
Mas se você ficar interessado por algum dos títulos listados a seguir, sugiro que tente acompanhar os diretores ou as páginas do filmes nas redes sociais. Você não vai se arrepender.
Pornô (Porno, 2019, EUA)
O primeiro filme que eu assisti também foi o filme de abertura do festival. E foi um acerto tremendo.
Pornô é um filme muito divertido, que mistura comédia, terror, religião, violência e sexo. Parece apelativo, mas o diretor Keola Racela consegue equilibrar bem o tom.
A trama se passa na década de 1990 e acompanha cinco funcionários de um cinema de rua, localizado em uma pequena comunidade cristã. Toda sexta-feira à noite, eles escolhem um filme e fazem uma exibição particular.
Nessa noite, porém, um mendigo invade o cinema e acaba revelando uma parede falsa, que esconde uma porta para uma sala oculta. Nessa sala, eles encontram uma lata antiga de filme e resolvem exibi-la na sua sessão semanal.
Porém, o filme – uma obra experimental repleta de cenas de sexo e violência – acaba libertando um demônio sexual, cuja presença aflora os desejos que eles tentavam manter escondidos.
Além de divertir por meio da abordagem caricata do seus personagens (o projecionista que tenta manter todos na linha é hilário), Pornô acerta ao trabalhar com o tema do fanatismo religioso por meio do humor.
Sim, existe uma crítica à religião. Isso fica claro na maneira como a obra se posiciona diante daqueles que se consideram mentores da moralidade alheia. Porém, ao final, é a religiosidade que salva os personagens.
É claro que esta afirmativa acerca da religião se perde em um filme cujo título afasta o próprio público que poderia se sentir representado aqui. Mas se você der uma chance para Pornô, garanto que vai se divertir.
Além do mais, é uma chance de matar a saudade do interior de uma sala de cinema! Confira o trailer:
O Guia VICE Para o Pé-Grande (The VICE Guide to Bigfoot, 2019, EUA)
Mantendo a linha de obras que misturam terror e comédia, o segundo filme que eu vi foi o falso documentário O Guia VICE Para o Pé-Grande, dirigido por Zach Lamplugh. E mais uma vez, eu me diverti muito.
O filme acompanha um repórter do site Vice que é uma espécie de especialista em matérias clickbait. Ele cobre os conteúdos mais absurdos com o intuito de tornar as suas matérias virais.
Porém, ele não está satisfeito com a sua “fama” e deseja ser respeitado na profissão. Mas após descobrir que perdeu a promoção que tanto ansiava, ele aceita – mesmo a contragosto – fazer uma matéria sobre a lenda do Pé Grande.
Para isso, ele precisa passar alguns dias na companhia de um bizarro criptozoologista, alguém que dedicou boa parte da sua vida à cultura do Pé-Grande, por mais que essa busca tenha lhe custado o relacionamento com a namorada.
A interação do repórter ranzinza com os “caçadores” de Pé-Grande são hilárias. Além do criptozoologista, que é uma atração à parte, há também um “especialista em camuflagem”, que disfarça o seu odor consumindo urina!
Mesmo trabalhando com um tema absurdo, o filme consegue desenvolver bem os seus personagens: a busca pelo Pé-Grande se transforma na busca do protagonista pela sua auto-valorização, e pela valorização da sua profissão.
Vale lembrar que a lenda do Pé-Grande já rendeu diversos filmes de terror. Inclusive, eu falo sobre o excelente Willow Creek em um episódio do nosso podcast dedicado a filmes de terror found footage pouco conhecidos (confira-o aqui).
Mas ao contrário de muitos outros títulos, O Guia VICE Para o Pé-Grande aborda o tema com humor. E isso faz toda a diferença. Trata-se de um filme muito divertido! Confira o trailer abaixo:
Feral (México, 2018)
Ainda falando de falsos documentários, eu vi o excelente Feral, terror mexicano dirigido por Andrés Kaiser. Trata-se de um filme que se utiliza da câmera diegética como forma de criar tensão. E consegue fazer isso muito bem!
Por meio de “imagens de arquivo” e entrevistas, o longa-metragem conta a história de um padre psicanalista que se isolou numa cabana com o intuito de civilizar uma criança que ele encontrou na floresta.
O filme já começa mostrando que o experimento do padre não deu certo e culminou em um incêndio que queimou a sua casa. Mas embora saibamos que o experimento está fadado ao fracasso e à tragédia, o filme ainda consegue nos surpreender.
Isso acontece por causa do roteiro muito bem escrito – cujas reviravoltas não são antecipadas pelo público – e pela direção certeira de Kaiser, que explora muito bem os “limites” do formato aqui adotado.
O cineasta usa o falso documentário como forma de ampliar a tensão das suas cenas. Por causa da ausência de cortes e da câmera diegética, somos obrigados a acompanhar aquela história de perto, partilhando dos segredos do protagonista.
Aliás, os segredos servem como combustível para movimentar toda a narrativa. Não apenas os segredos do padre, cujos métodos de civilização são bastante questionáveis, mas também os segredos da comunidade que o cerca.
Todos os entrevistados parecem ter segredos que desejam manter escondidos e o filme acerta ao não explicitá-lo. Em vez disso, a obra aponta numa direção e estimula o público formar as suas próprias teorias.
Feral é um estudo sobre a natureza humana. Porém, a ferocidade sugerida pelo título não é exclusivamente associada à criança que vivia na floresta. É também uma crítica àqueles que se dizem civilizados. Confira o trailer abaixo:
A Cor Rosa (The Color Rose, Canadá, 2020)
Mas nem tudo são flores. E se Feral foi o melhor filme que eu vi no festival, o longa-metragem seguinte, A Cor Rosa, com certeza foi o pior. Nada se salva nesse terror canadense dirigido por Courtney Paige. Nada mesmo.
A trama acompanha um grupo de garotas de uma escola de elite que inicia um culto secreto no qual cada uma representa um dos sete pecados capitais.
A princípio, o culto serve como crítica à religiosidade patente daquela comunidade. Mas não demora até o grupo adotar medidas violentas para preservar o seu status.
As ações delas têm consequências trágicas e logo, uma a uma, elas passam a ser ameaçadas por um assassino misterioso.
A história até pode parecer interessante mas, acredite, não é. A Cor Rosa é uma coleção de clichês, atuações ruins e uma direção sem foco. Mas todos esses problemas empalidecem diante da péssima construção do roteiro.
A precariedade no desenvolvimento dos personagens é tamanha que a solução do roteiro para ilustrar os “pecados” é mostrar uma personagem comendo o tempo todo (gula) e a outra sempre com sono (preguiça).
Não só isso, mas a estrutura do roteiro é completamente falha.
O desejo do xerife da cidade de ter filhos, por exemplo, serve apenas como desculpa para mostrar a sua esposa seminua. Em outro momento, dois policiais federais chegam para ajudar na investigação, mas não fazem nada.
Ainda assim, o pior é quando xerife, que já sabia a localização do assassino, ficou de conversa com outro oficial, enquanto as meninas corriam perigo. É tudo muito, muito ruim.
E se mesmo assim você ficou curioso em relação uma obra na qual pessoas são assassinadas de acordo com os sete pecados capitais, eu sugiro que você reveja Seven. Confira o trailer de A Cor Rosa abaixo:
Barry Fritado (Fried Barry, África do Sul, 2020)
Esse foi, sem dúvida, o filme mais bizarro que eu vi no festival. Barry Fritado é uma produção da África do Sul que mistura terror, comédia e ficção científica, numa trama envolvendo abduções alienígenas, sexo e violência.
Dirigido por Ryan Kruger, o filme acompanha Barry, um sujeito viciado em drogas que, certo dia, é abduzido por alienígenas. Não só isso, mas ele é “possuído” por essa criatura de outro planeta e enviado de volta para a Terra.
Agora, o alienígena no corpo de Barry circula pelas ruas da Cidade do Cabo, explorando esse mundo estranho. E ele se depara com uma situação bizarra atrás da outra.
Kruger adota um ritmo frenético à sua narrativa ao acompanhar o seu protagonista enquanto ele é levado de um lado para outro: alguém o convida para fazer sexo no banheiro, e ele vai, outra pessoa o oferece drogas, e ele aceita.
Mas o melhor momento é quando ele faz sexo com uma prostituta e, em questão de segundos, acontece a concepção, a gravidez e o nascimento da criança.
A atuação de Gary Green é um atrativo a parte. Ao aproximar a câmera do rosto do seu protagonista, o diretor explora as suas feições, seu olhar ávido e suas caretas exageradas.
Mas se o filme consegue encontrar o humor na interação do alienígena com a humidade, seu maior acerto é mostrar que Barry não é a figura mais estranha dentro daquela realidade.
Em sua jornada, ele se depara com prostitutas e cafetões, ladrões, sequestradores (possivelmente pedófilos) e pacientes de um hospício. A estranheza é tamanha que fica fácil para um alienígena passar despercebido.
Enfim, Barry Fritado é uma jornada bizarra e muito divertida. Confira o trailer abaixo e fique de olho nesse filme. Vale muito a pena.
Entrelaçado (Entwined, Grécia, 2019)
Vindo da Grécia, o terror Entrelaçado acompanha Panos, um médico da cidade grande que se muda para uma vila remota para atender a comunidade. Ao chegar, ele encontra um pouco de resistência dos moradores que não o querem por lá.
Como seu consultório está quase sempre vazio, o médico tem tempo de passear pela cidade. Em um desses passeios, ele conhece Danae, uma jovem que vive isolada na floresta.
Danae sofre de uma estranha doença na pele e Panos, encantado pela mulher, parece determinado a curá-la. Mas há algo de muito estranho naquela situação. Os moradores da cidade têm medo daquela que habita a floresta.
E, explicitando o conflito entre razão e emoção, o médico ignora a crença da comunidade e procura a jovem.
Não demora muito para o protagonista descobrir que aquela não é a garota indefesa que ele imaginava ser. E antes que possa fazer alguma coisa, ele acaba preso naquela casa da floresta.
Sua prisão é tanto literal quanto metafórica. Panos até faz menção de ir embora, mas não consegue encontrar o caminho de volta. Depois de um tempo, porém, ele não parece mais ter vontade de sair.
O diretor Minos Nikolakakis é hábil ao explorar as metáforas da sua narrativa, principalmente uma envolvendo o fogo. Danae justifica que não pode sair de casa porque precisa manter o fogo aceso o tempo todo.
Assim, dentro da lógica metafórica apresentada pela narrativa, o fogo se mantém vivo exaurindo a madeira. E enquanto a madeira é reduzida a carvão e cinzas, o fogo se continua belo – desde que seja alimentado com frequência.
Adotando um ritmo mais lento, Entrelaçado desenvolve a sua situação aos poucos, cozinhando a tensão em fogo baixo. Mas quando finalmente entra em ebulição, o resultado é sensacional. Confira o trailer:
O Bando (La Jauría, Espanha, 2019)
O último filme que eu vi no Fantaspoa foi o thriller espanhol O Bando. Trata-se de uma obra bastante contida, passada quase inteiramente em um único ambiente: o interior de um carro.
A trama acompanha quatro homens que acordam amarrados a um carro parado no meio da floresta. Eles não se conhecem e, aparentemente, não há nenhuma relação entre eles. Mas alguém está tentando matá-los.
Logo que acordam, eles percebem que alguém conectou uma mangueira ao escapamento do carro. Por pouco eles não morreram asfixiados. Mesmo assim, o perigo ainda os ronda.
Antes que possam salvar as suas vidas, o grupo precisa descobrir os motivos que os levaram a acordar naquele local.
O filme começa muito bem, mas o suspense e a tensão criados pela situação inicial esfriam um pouco depois de um tempo. Ainda assim, o obra nunca se torna enfadonha.
Isso se deve, em parte, à sua curta duração. Mas o maior mérito ainda é do diretor C. Martín Ferrera.
Colocando a câmera dentro do carro, o cineasta nos obriga a partilhar da experiência e da claustrofobia dos personagens. Estamos lá, junto deles, olhando de dentro para fora.
E isso é muito criativo. O problema é que, uma vez revelada a verdadeira motivação por trás daquele ato, o filme se assemelha muito a outro longa-metragem lançado alguns anos atrás.
Não vou falar qual filme porque isso poderia ser entendido como um spoiler. Mas é um pouco decepcionante quando você percebe que já viu essa história ser contada antes. Ainda mais quando, naquele caso, o resultado foi muito melhor.
Ainda assim, O Bando foi um bom filme de encerramento da minha participação no Fantaspoa 2020.
Considerações finais sobre o Fantaspoa 2020
Conforme eu disse no começo: eu sempre quis participar do Fantaspoa. E, infelizmente, até esse momento eu nunca havia conseguido.
Então, eu fico feliz em ter participado dessa edição online. Embora eu também me sinta um pouco culpado por não tê-la aproveitado melhor.
Eu sei que tinha muita coisa boa que eu não vi. Mesmo assim, fico feliz de ter visto tantos filmes bons de países diferentes.
No geral, acredito que esta tenha sido uma experiência positiva. E espero que, no ano que vem, eu consiga participar presencialmente.
Já estou me programando para isso.