UMA LONGA VIAGEM

Misto de documentário e dramatização – o filme Uma Longa Viagem, de Lúcia Murat, com narração da própria cineasta – aborda a vida de sua família, durante o período em que a diretora foi prisioneira política, no regime militar. Nessa mesma época, seu irmão Miguel mantinha uma carreira escolar exemplar e apontava para um futuro brilhante, enquanto o caçula da família, Heitor, viajava pelo mundo numa espécie de exílio regado a muitas drogas.

Baseando-se nas cartas que ele enviou para sua família durante suas viagens – lidas pelo ator Caio Blat, que aqui interpreta sua “versão jovem” – e mesclando com depoimentos do próprio Heitor, hoje com esquizofrenia, o roteiro opta por focar-se mais nos seus problemas com drogas do que na relação familiar. Tal escolha, ao mesmo tempo que peca por manter os irmãos fora da narrativa (Miguel vira um coadjuvante); revela-se acertada exatamente por investir no mais novo deles, uma pessoa extremamente carismática, divertida e cheia de histórias.

Capaz de arrancar risadas do público em praticamente todos os momentos da projeção, ele fala com naturalidade sobre todos os segredos da sua viagem, como quando conta que chegou ao aeroporto com meio quilo de haxixe na meia: “olharam até o meu buraco anal, mas não tiraram a minha meia”. Porém o melhor momento é quando ele reclama da irmã, dizendo que ela cortou do filme a única parte que o mostraria trabalhando.

Contando com uma excelente trilha sonora da época – há inclusive a canção “The Weight”, uma das minhas preferidas – e uma atuação sempre competente de Caio Blat; Uma Longa Viagem perde um pouco de impacto no seu terceiro ato, quando vira quase uma propaganda anti-drogas. Ainda que isso não possa ser considerado algo ruim, já que era natural se pensarmos na rotina de Heitor, tal decisão parece que limitou um pouco um tema que poderia ser muito mais abrangente. Ainda assim é um belo trabalho.