Chorona aparecem em meio às folhagens

Crítica | A Maldição da Chorona desrespeita a cultura na qual se baseia em nome do entretenimento

A Chorona é uma personagem folclórica muito importante para a cultura mexicana. Sua história foi contada oralmente através dos séculos e sofreu diversas alterações com o passar dos anos, ganhando diferentes versões.

Uma dessas versões fala de uma mulher do século XVII, casada, mãe de dois filhos e aparentemente feliz. Porém, ao descobrir a traição do marido e tomada por um acesso de raiva, ela resolve se vingar da pior maneira possível: matando os filhos deles.

Após realizar seu ato de vingança, ela se arrepende e é condenada a passar o resto da eternidade chorando. Segundo a lenda, seu choro pode ser escutado até hoje, especialmente em noites de lua cheia.

Linda Cardellini e Sean Patrick Thomas em A Maldição da Chorona

Embora leve em conta o mesmo nome da lenda, o longa-metragem A Maldição da Chorona é desrespeitoso em relação àquele folclore, utilizando-o apenas como pano de fundo para criar um novo subproduto da franquia Invocação do Mal.

Escrito por Mikki Daughtry e Tobias Iaconis (ambos de A Cinco Passos de Você), o filme tem início no ano de 1673, quando vemos uma mulher mexicana afogando seus dois filhos. Depois disso, a trama dá um salto temporal arbitrário de 300 anos, e passa a se ambientar na década de 1970, na Califórnia.

Passamos, então, a acompanhar a rotina de Anna Tate-Garcia (Linda Cartellini), uma assistente social viúva que precisa batalhar para conseguir cuidar do casal de filhos.

Ao investigar um dos seus casos – o de uma mulher de origem mexicana cujos filhos não frequentavam a escola – ela se depara com uma situação bizarra: a mãe estava escondida dentro do apartamento e mantinha as crianças presas no armário.

Linda Cardellini em A Maldição da Chorona

Ignorando as suplicas da mulher, Anna os liberta. Mas aparente tortura infantil era, na verdade, um ritual de proteção. Ao libertar as crianças, a protagonista também libertou o mal que os afligia. E não demora para a entidade fantasmagórica direcionar o seu olhar para Anna e sua família.

Essa centralidade da trama em torno de uma família americana é um problema moral e cultural de A Maldição da Chorona. A lenda é mexicana, mas o protagonismo estadunidense. Nem mesmo o nome do diretor (americano) Michael Chaves no comando do longa disfarça a visão estrangeira que impera nessa produção.

Nada disso, porém, é novidade. E o problema não reside necessariamente neste protagonismo, mas no seu contraponto. Coadjuvantes na sua própria história, os personagens latinos são retratados como versões estereotipadas de uma cultura reduzida a penduricalhos espalhados pela casa e um conhecimento inerentes do oculto.

O pior é perceber como os mexicanos são progressivamente eliminados da narrativa (como é o caso do marido de Anna, cujo sobrenome “Garcia” o condena a um destino trágico antes mesmo do início da projeção) ou são vistos como vilões, como os causadores do mal (vide a personagem de Patricia Velasquez).

Patricia Velasquez em A Maldição da Chorona

Donald Trump ficaria satisfeito com esse filme, pois parece comprovar a sua teoria a respeito dos “perigos da imigração”.

Estruturalmente, o roteiro também é falho. Não existe qualquer explicação para a maldição estar presente naquele contexto. Não sabemos por que ela estava ameaçando a família mexicana e desconhecemos o real motivo que a levou a mãe a trancar seus filhos no armário.

Além do mais, algumas das escolhas dos roteiristas são mal desenvolvidas e abandonadas em seguida. Em certo momento, por exemplo, é dito que a filha pequena de Anna está sob o feitiço da Chorona e é obrigada a seguir os comandos dela.

Isso parece ser esquecido já na cena seguinte, e não é explorado mais, nem quando a Chorona se beneficiaria dessa ajuda incondicional (em vez de ficar procurando pela menina, ela poderia fazê-la vir ao seu encontro).

A Maldição da Chorona

Ainda assim, nada se compara ao momento em que a menina ignora uma instrução clara que visa a sua proteção – e de toda a sua família – para “salvar” a sua boneca que, por sinal, não corria perigo algum.

A necessidade de conectar esse filme com o universo de Invocação do Mal também se mostra problemática. Inexplorada pela divulgação do longa, essa revelação causa mais estranhamento do que surpresa.

A tal ligação com o universo criado por James Wan é feita por meio de um personagem, o padre Perez (Tony Amendola), visto em Annabelle, e em uma cena de flashback, na qual vemos a tal boneca demoníaca. E só.

A inutilidade dessa revelação é tamanha que o próprio padre Perez se afasta da narrativa logo em seguida, e não faz falta.

Padre Perez de Annabelle em cena de A Maldição da Chorona

A aproximação entre A Maldição da Chorona e Invocação do Mal se dá mais na vontade de Chaves em imitar o estilo de Wan. Isso é perceptível, por exemplo, no plano-sequência que apresenta a família Garcia. Porém, falta ao discípulo a sutileza do mestre de priorizar a tensão, em detrimento do susto.

Este é um diferencial do trabalho de James Wan em Invocação do Mal. Embora ele sempre opte pelo susto, este vem como uma catarse, um alívio, uma forma de avisar o espectador que o perigo passou, ao menos momentaneamente.

Chaves faz o oposto. Incapaz de manter a tensão por muito tempo, ele apela para os sustos fáceis. Com isso, até acerta em alguns jump scares criativos (como aquele envolvendo um guarda-chuvas), mas o excesso acaba por banaliza-los. Ficamos anestesiados depois de um tempo.

Raymond Cruz em A Maldição da Chorona

Tecnicamente, o filme também tem problemas. A intenção do diretor de fotografia Michael Burgess (do vindouro Annabelle 3: De Volta Para Casa) é mergulhar os seus personagens na escuridão, mas ele pesa a mão na sua escolha, prejudicando o nosso compreensão do que está acontecendo na imagem – que, em muitos casos, se resume a um borrão escuro.

Apesar de todos os problemas, A Maldição da Chorona foi bem-sucedido em todos as suas aspirações. O longa teve um rendimento alto nas bilheterias e deu a Chaves o cargo de diretor em Invocação do Mal 3, com lançamento agendado para 2020.

Mas se os derivados declinam de qualidade (e este aqui só comprova isso), a franquia original é o oposto, melhorando a cada novo filme. Chaves tem um desafio e tanto pela frente. Tomara que ele aprenda com os seus erros.

A Maldição da Chorona

Pôster do filme A Maldição da Chorona

FICHA TÉCNICA:
Título original: The Curse of La Llorona
Gênero: Terror
País de origem: EUA
Ano de produção: 2019
Direção: Michael Chaves
Roteiro: Mikki Daughtry e Tobias Iaconis
Elenco: Linda Cardellini, Roman Christou, Jaynee-Lynne Kinchen, Raymond Cruz, Marisol Ramirez, Patricia Velasquez, Sean Patrick Thomas, Tony Amendola, Irene Keng.

Perfil do diretor: Michael Chaves

Michael Chaves começou a sua carreira em 2009, ao dirigir e editar o curta-metragem Worst Date Ever. No ano seguinte, ele dirigiu outro curta, Regen, para o qual também escreveu o roteiro, foi responsável pelos efeitos especiais e pela montagem.

Michael ChavesQuatro anos depois, Chaves dirigiu outro curta, Make Note of Every Sound. Em 2015, ele criou a minissérie Chase Champion, e foi responsável pelo roteiro e direção dos seus 11 episódios. Em 2016, escreveu e dirigiu o curta The Maiden, premiado no Festival de Shriekfest.

Em 2019, ele comandou mais um curta, Billie Eilish: Bury a Friend. Sua estreia como diretor de longas-metragens aconteceu com A Maldição da Chorona.

Atualmente, Chaves trabalha na pré-produção do terror The Conjuring 3, próximo filme da franquia Invocação do Mal.

Curiosidades sobre A Maldição da Chorona

  • O filme faz parte do universo da franquia Invocação do Mal. Essa conexão é feita pela presença do personagem do Padre Perez, visto anteriormente no filme Annabelle (2014). Há também uma cena de flashback na qual é possível ver a boneca Annabelle.
  • Os demais filmes desse universo são Invocação do Mal (2013), Annabelle (2014), Invocação do Mal 2 (2016), Annabelle 2 – A Criação do Mal (2017) e A Freira (2018). Projetos futuros incluem Annabelle 3: De Volta para Casa (a ser lançado ainda em 2019), Invocação do Mal 3 (com previsão de lançamento para 2020), além de A Freira 2 e The Crooked Man, ambos ainda sem data de lançamento.
  • Essa não é a primeira vez que a Chorona aparece no cinema. Ela já apareceu em dezenas de produções, entre curtas e longas-metragens, além de participações em séries de TV (como no seriado Chaves). Sua primeira aparição no cinema foi no filme La Llorona, de 1933.
  • Além do que é mostrado no filme, existem diferentes versões para a história da Chorona. Alguns relatos falam de uma mulher de origem indígena que matou os três filhos após o pai das crianças, um cavaleiro espanhol, se recusar a casar-se com ela. Em outra versão, ela perdeu o filho após deixa-lo dormindo à beira do rio. Em todos os casos, porém, sua história é envolta em tragédias.

Assista ao trailer legendado de A Maldição da Chorona: