Filme utiliza as metáforas do terror para falar sobre traumas da juventude.
O uso de metáforas sobrenaturais como forma de retratar os traumas relacionados à infância ou para ilustrar a passagem para a vida adulta são comuns dentro do cinema de gênero. Tanto a fantasia como o terror fazem isso com certa frequência. Porém, apesar do desgaste desse artifício, de vez em quando surge um filme que oferece um respiro, um novo sopro de ar que mexe um pouco com a calmaria desse estilo. E esse é o caso do recente Os Garotos nas Árvores (Boys at the Trees, 2016), que se veste como uma obra de terror, quando na verdade é um drama contundente e emocionante sobre a amizade, medo e culpa.
Escrito e dirigido por Nicholas Verso, o longa acompanha dois adolescentes durante uma noite no ano de 1997. O primeiro deles é Corey (Toby Wallace), sujeito popular que passa o seu tempo fotografando os seus colegas skatistas. Corey não concorda com muitas das atitudes do seu grupo, especialmente na maneira como eles tratam os meninos mais fracos e as mulheres. Porém, ele não faz nada para mudar essa situação, escondendo a sua verdadeira personalidade e, literalmente, vestindo a pele de lobo para participar da alcateia liderada por Jango (Justin Holborow).
O segundo é Jonah (Gulliver McGrath), garoto órfão, inocente e introspectivo que é perseguido pelo grupo de Jango. Jonah e Corey costumavam ser amigos na infância, mas se afastaram à medida que cresceram. Porém, durante o Halloween, os dois se reúnem e rememoram algumas das brincadeiras de quando eram pequenos. Em uma dessas brincadeiras, eles fingiam adentrar um mundo mágico, repleto de fantasia e seres sobrenaturais. E à medida que avançam nesse jogo uma última vez, realidade e fantasia se misturam, e segredos do passado começam a emergir.
O roteiro de Verso não é maniqueísta ao ponto de definir seus personagens como branco e preto. Ainda que um deles seja mostrado vestido de lobo e o outro de chapeuzinho vermelho, ao longo do desenvolvimento da narrativa podemos notar toda a tridimensionalidade proposta pelo diretor/roteirista. Corey, por exemplo, até demonstra culpa pelas suas ações, mas não hesita em fazer o que for preciso para manter-se no grupo dos garotos populares, mesmo que isso signifique contribuir para o bullying de Jonah. Já este, apesar de ser apresentado como uma vítima, não vê problema em manipular o ex-amigo a jogar o seu jogo e rememorar traumas antigos.
Até Jango não é reduzido ao simples papel de vilão. Suas motivações são bem detalhadas e até conseguimos entender – por mais que não concordemos com – os motivos pelos quais ele faz o que faz. Todas essas pessoas orbitam esse mundo, vagando sem rumo definindo ao esmo pelas ruas escuras de um tempo passado. Em entrevista, o cineasta declarou que a escolha da década de 1990 para se passar a sua história é porque é uma época em que a tecnologia não imperava, era seguro para um adolescente passar a noite toda andando pelas ruas e as relações eram construídas cara a cara.
E apesar de o diretor demonstrar uma admiração enorme por esse período, eu a vejo de forma diferente. Para mim, a década de 1990 ficou marcada como um tempo de transição entre a marcante década de 1980 e o mundo pós-11 de setembro. É uma época passagem. Um meio do caminho. E isso encontra reflexo naqueles jovens que parecem não saber o seu lugar no mundo. A falta de pertencimento e a necessidade de se encaixar em grupos pré-estabelecidos é marcante para quem cresceu nesse período. São rebeldes numa época “sem causa” [reforço que esta é a minha visão da década de 1990, e ninguém precisa concordar com ela].
Filmando até mesmo a “realidade” de maneira lúdica – os personagens andando de skate em câmera lenta adquirem um aspecto sinistro –, Nicholas Verso acerta ao inserir o sobrenatural organicamente na narrativa e abusar do uso de metáforas. O mundo aqui mostrado é tomado por sombras em forma de lobos, demônios, fantasmas e pessoas misteriosas. Mas o mais inesquecível, ao menos para mim, é aquele momento no qual os sonhos esquecidos no sótão assombram aqueles que definham em frente à TV. Momentos como esse fazem de Os Garotos nas Árvores um filme incrível!
FICHA TÉCNICA:
Título original: Boys in the Trees
Gênero: Drama/Terror/Fantasia
País: Austrália
Duração: 112 min.
Ano: 2016
Direção: Nicholas Verso
Roteiro: Nicholas Verso
Elenco: Toby Wallace, Gulliver McGrath, Mitzi Ruhlmann, Justin Holborow, Henry Reimer Meaney, Jayden Lugg, Tom Russell, Patrick Gilbert, Terence Crawford.