Filme australiano parte de uma premissa conhecida, mas inova no desenvolvimento da narrativa.
A história do casal que vive na cidade grande e resolve se aventurar num local isolado, no meio da floresta, e passa a ser perseguido pelos moradores locais – ou pela própria natureza – já rendeu alguns excelentes filmes de terror, como Um Longo Fim de Semana (1978), Eden Lake (2008) e Sobrevivente (2014). Sabendo que não está lidando com um material original, o cineasta Damien Power opta por contar de um jeito diferente aquela mesma trama que já vimos tantas vezes. E ao manipular a sua narrativa com segurança e criatividade, ele consegue fazer o longa australiano O Acampamento se destacar da enorme safra de produtos similares, entregando um resultado que merece figurar ao lado dos títulos citados anteriormente.
Escrito pelo próprio Power, o roteiro acompanha o casal Ian (Ian Meadows) e Sam (Harriet Dyer), que decide passar a virada de ano acampando em um lugar remoto, à beira de um lago. Mas ao chegarem lá, os dois notam que outra barraca já foi instalada no seu refúgio de solidão. Porém, a presença daquela barraca não chega a atrapalhar o isolamento planejado por eles, já que a família que estava lá parece ter saído e não voltou mais (apesar de o carro deles ainda estar parado na entrada da floresta). Paralelo a isso, acompanhamos a rotina da família que estava lá alguns dias antes, e também observamos o dia-a-dia de dois caçadores, German (Aaron Pedersen) e Chook (Aaron Glenane), que podem ter alguma coisa a ver com o desaparecimento daquelas pessoas.
A divisão dessas três linhas narrativas não é explícita, e Power instiga o espectador a montar a cronologia na sua cabeça com base nas poucas informações que ele nos dá – a data em que a primeira família estava no acampamento, as fotos no celular, a conversa de Ian com German, etc. Mais do que um simples “embaralhamento” da temporalidade, o que o diretor propõe é a desconstrução da trajetória convencional, com o propósito de destacar a repetição da situação. Acontecimentos ocorridos em tempos diferentes são mostrados em sequência, fortalecendo as semelhanças entre os dois casos, que parecem repetir as mesmas situações e, consequentemente, rumar em direção ao mesmo final.
Para sobreviver, é preciso quebrar o ciclo e fugir da constante repetição dos fatos. E os dois personagens principais fazem isso de maneiras opostas. [Atenção, o restante desse parágrafo contém spoilers] Durante o terceiro ato, notamos que Ian abandona a sua alcunha de herói e entrega-se à covardia, chegando ao ponto de deixar a sua namorada para trás para salvar sua própria vida. Já Sam, que até então dependia de Ian para tudo e sempre o consultava antes de tomar qualquer atitude, passa a agir por conta própria, contrariando as ordens masculinas – tanto do namorado quanto de Chook. E é justamente ao agir assim que ela consegue se salvar [fim do spoiler].
Explorando bem a profundidade de campo como forma de causar tensão – a cena do bebê caminhando ao fundo é incrível –, o novato realizador demonstra segurança na composição das imagens. A predisposição pelo uso de planos gerais explora bem a crueza dos atos vistos na tela, fazendo com que algumas sequências sejam mais impactantes à distância do que se mostradas em detalhes.
O Acampamento prova mais uma vez que a criatividade do cinema não está necessariamente associada à inovação. Existe, sim, o mérito de quem se aventura por um território desconhecido. Mas isso não diminui a importância de quem trilha terrenos já explorados e ainda assim consegue fincar a sua própria bandeira. E, nesse sentido, Damien Power foi bastante criativo.
Título original: Killing Ground
Gênero: Suspense/Terror/Thriller
País: Austrália
Duração: 112 min.
Ano: 2016
Direção: Damien Power
Roteiro: Damien Power
Elenco: Harriet Dyer, Tiarnie Coupland, Mitzi Ruhlmann, Aaron Pedersen, Ian Meadows, Maya Stange, Stephen Hunter, Aaron Glenane, Julian Garner, Airlie Dodds.