O que você faria se tivesse a certeza que morreria no dia seguinte? Finalmente tomaria as decisões adiadas há tanto tempo? Ficaria próximo das pessoas amadas? Ou preferiria passar seus instantes finais existência em isolamento?
Estes são alguns dos questionamentos levantados pelo excelente filme indie She Dies Tomorrow, dirigido por Amy Seimetz (Sun Don’t Shine).
Contada de forma não linear, a narrativa começa acompanhando Amy (Kate Lyn Sheil), uma jovem isolada e confusa que, certa noite, é atingida pela certeza de que vai morrer no dia seguinte. O medo inicial dá lugar à aceitação e essa certeza passa a guiar as ações de Amy. Mas ela não está sozinha nisso.
Ao receber a visita da amiga Jane (Jane Adams), Amy partilha o seu sentimento com ela e, em pouco tempo, Jane também é tomada pela mesma certeza contagiosa que atingiu Amy. E Jane, por sua vez, contamina outras pessoas com a convicção da morte iminente, espalhando ainda mais essa “epidemia”.
Embora a analogia com o coronavirus seja óbvia, ela é involuntária, pois She Dies Tomorrow foi rodado antes da pandemia. Então, em vez de ser mostrado como uma ameaça à vida, o “vírus” do filme serve para exacerbar a nossa relação com a nossa própria mortalidade.
Ainda que seja a única certeza partilhada por todos os seres humanos, temos medo de falar ou sequer pensar sobre a morte. Essa força sobrenatural serve, portanto, para derrubar as barreiras que erguemos em torno de nós mesmos.
Quando a negação e o silêncio não são opções aplicáveis, uma gama de reações distintas emerge à superfície. Cada personagem encara a sua própria morte de uma maneira diferente; não há uma resposta correta.
Essa ambiguidade, aliás, permeia toda a narrativa, pois não há certeza alguma acerca da concretização da ameaça. Mesmo quando os personagens tentam elucidar esse sentimento, suas explicações são individuais e não refletem o medo coletivo.
Jane compara à sensação de quando você caminha debaixo de um prédio cheio de aparelhos de ar-condicionado e sabe que um deles cairá na sua cabeça. Ou seja, é uma ameaça raramente concretizada, mas com força suficiente para guiar as suas ações.
A cineasta adota um estilo ermo, no qual a casa vazia da protagonista parece extrair toda a vida dela em antecipação ao seu destino trágico.
Nessa ausência de um futuro próximo, o início de um relacionamento só pode estar fadado ao fracasso e a comemoração de um aniversário logo dá lugar ao pensamento sobre a finitude da vida.
Isso torna ainda mais impactante as cenas nas quais cores estroboscópicas iluminam esse ambiente paradoxalmente tomado pela vida das cores quentes, e pela iminência da morte.
Mas o grande mérito de Amy Seimetz, e sua decisão mais corajosa, é conseguir encontrar um pouco de humor diante da devastação. Ao final She Dies Tomorrow, ainda consegue extrair um riso nervoso diante de uma situação normalmente associada às lágrimas.