Cena do filme Destacamento Blood

Crítica | Destacamento Blood aponta a atemporalidade dos conflitos raciais

Produção da Netflix escrita e dirigida por Spike Lee (Faça a Coisa Certa), Destacamento Blood (Da 5 Blood, 2020) é um projeto concebido e realizado antes dos protestos recentes contra o racismo, causados pela morte de George Floyd. Porém, o fato de o filme parecer tão atual é apenas um reflexo da atemporalidade das críticas aqui apresentadas, e da necessidade de manter esses temas em voga.

A trama acompanha um grupo de soldados veteranos da guerra do Vietnã retornando ao país após muitos anos com o intuito de buscar (1) o corpo de um dos soldados do seu destacamento, morto em combate, e (2) coletar um carregamento de ouro interceptado por eles durante o conflito, e deixado para trás. E a narrativa se alterna entre o presente dos personagens, enquanto eles retornam à floresta, e o passado deles, durante a guerra.

Mas ao contrário do que Martin Scorsese fez em O Irlandês, investindo milhões de dólares para rejuvenescer digitalmente os seus atores, Spike Lee vai pelo caminho oposto: ele usa os mesmos atores veteranos tanto nas cenas atuais quanto nos flashbacks. E mais, não há nenhuma intervenção na imagem – por maquiagem ou efeitos especiais – para fazê-los parecer mais jovens no passado.

Cena do filme Destacamento Blood

Assim, enquanto o astro Chadwick Boseman (Pantera Negra) aparece em uma participação pequena como o soldado que ficou para trás, o restante do destacamento é formado pelos veteranos Delroy Lindo (série The Good Fight), Clarke Peters (série Treme), Norm Lewis (série Scandal) e Isiah Whitlock Jr. (série The Wire), interpretando os personagens no passado e no presente.

A perenidade dessa escolha está associada com os temas aqui abordados. Além de o grupo estar retornando ao Vietnã, e novamente enfrentando perigos ao longo da sua jornada, o filme ilustra como alguns conflitos do passado se mantém ativos até hoje. A guerra até pode ter acabado, mas a batalha é constante. E tais conflitos acontecem por duas vertentes: na relação dos EUA com o Vietnã, e na relação com EUA com a população negra.

No primeiro caso, Destacamento Blood mostra que, apesar das diversas mudanças ocorridas no Vietnã ao longo dos anos, existe, por baixo de tudo isso, um conflito geracional (e é bastante significativo que vietnamitas utilizem a expressão “guerra americana”, enquanto os americanos a chamam de “guerra do Vietnã”).

Cena do filme Destacamento Blood

Já no segundo caso, o longa-metragem aponta a hipocrisia numérica relacionada à participação de soldados negros naquela guerra. Pois se os negros representavam 12% de toda a população norte-americana, não existe uma justificativa plausível para eles representarem 33% de todos os soldados enviados para o combate. A justificativa é o racismo enraizado, silenciado durante o governo Obama e explicitado na eleição de Trump.

E assim como fez em Infiltrado na Klan, Spike Lee direciona a sua crítica ao presidente americano. Além de utilizar-se da imagem de Trump nos seus comícios, o cineasta também faz uso do icônico boné Maga (Make America Great Again), que passa de cabeça em cabeça ao longo do filme.

Por fim, ao destacar a participação de movimentos sociais como o Black Lives Matter na direção de protestos e reivindicações de direitos há muito negados a uma parcela da população, Destacamento Blood reforça a longevidade desta guerra interna. E como forma de manter a resistência, os soldados mais velhos estão dispostos a passar o bastão às novas gerações, que estão prontas para a próxima batalha.

Assista ao trailer legendado de Destacamento Blood: