Guerras não devem ser glorificadas ou romantizadas. Guerras geram apenas destruição. Destruição de arquiteturas, de fauna e de flora. Destruição de famílias, de amores e de amizades. Destruição de corpos e de vidas.
É isso que prega o filme 1917, dirigido por Sam Mendes (007 – Operação Skyfall) e forte candidato ao Oscar deste ano.
Escrito pelo próprio cineasta em parceria com Krysty Wilson-Cairns (série Penny Dreadful), o roteiro acompanha dois soldados britânicos que precisam ultrapassar as linhas inimigas em meio 1º Guerra Mundial.
Sua missão é levar uma mensagem a um batalhão prestes a adentrar numa armadilha. A jornada tortuosa é repleta de armadilhas, dificuldades e perigos. E o diretor sabe explorá-los muito bem.
Mendes opta por rodar todo o filme em um (falso) plano-sequência, recurso similar àquele utilizado por Alejandro G. Iñárritu em Birdman.
Porém, enquanto naquele caso a história era condensada em poucos ambientes, aqui vemos a enorme extensão do conflito enquanto os protagonistas atravessam trincheiras, túneis, campos abertos, cidades destruídas e muito mais.
Conduzindo a movimentação dos atores com a precisão de um maestro, Mendes é criativo na maneira como ele contorna algumas das limitações causadas pela sua escolha.
É notável, por exemplo, como ele opta por fazer os personagens mudarem suas posições em cena, devido à impossibilidade de filmar um diálogo em plano e contra plano.
Mas sua escolha vai além de um preciosismo estético.
Ao filmar toda a ação quase sem cortes, ele nos obriga a acompanhar cada passo da jornada dos protagonistas.
No cinema clássico, cenas de duas pessoas caminhando tomariam pouco ou nenhum tempo de tela; aqui elas são o principal recurso da narrativa.
Estamos lá, junto dos personagens, acompanhando suas dificuldades de perto, uma vez que não podemos nos refugiar na segurança dos cortes cinematográficos.
E devido a esta proximidade com os personagens, acabamos conhecendo-os melhor.
Enquanto Blake (Dean-Charles Chapman) é visto como um jovem ainda iludido com a noção romântica de heroísmo, Schofield (George MacKay, excelente) tem uma visão mais pragmática da guerra.
Blake deseja entregar a mensagem para salvar o batalhão (e seu irmão). Schofield é movido pela possibilidade/necessidade de impedir mais destruição.
Apesar da sua motivação altruísta, Schofield não é um herói convencional, pois 1917 não é uma obra convencional sobre heroísmo.
Durante toda a jornada, os soldados só se deparam com cenários de destruição. Casas destruídas, árvores cortadas, pontes derrubadas, animais abatidos, etc. A morte cerca-os a cada passo que eles dão.
Até mesmo quando o longa esboça a ideia de enxergar a beleza naquelas imagens – como quando vemos pétalas de flores boiando no rio –, esta visão é logo substituída por uma cena de destruição – e corpos putrefatos substituem as flores na água.
Tal proximidade entre beleza e destruição também é representada visualmente na ótima direção de fotografia de Roger Deakins (que já havia trabalhado com o Mendes em 007 – Operação Skyfall).
Investindo em tons amarelados e sépia, associando o filme aos registros da época aqui representada, o veterano cinematógrafo faz as sombras dançarem, simbolizando a escuridão e a desesperança que tomou conta daquele ambiente.
Aliás, tal desesperança é igualmente notável na conduta dos demais personagens. “Só há um jeito desta guerra acabar. Quando só sobrar um homem de pé”, diz um oficial em determinando momento, reforçando o tom de desilusão.
Afinal, o ato dos protagonistas até pode surtir um efeito imediato, mas não permanente. Mesmo que consigam salvar a vida dos soldados, o próprio nome do filme, 1917, sugere que o conflito está longe do fim.
Ainda há muita destruição pela frente.