Desde o seu lançamento, Coringa provou ser um sucesso de público e de crítica. E não faltam motivos para isso.
Influenciado fortemente pelos filmes da década de 1980, a obra é um retrato cruel da nossa realidade.
E foi pensado na qualidade e na importância deste filme que eu preparei esse texto caprichado, contendo:
- Uma crítica completa do filme, analisando diferentes aspectos da narrativa e o subtexto contido em Coringa;
- Um perfil detalhado do diretor Todd Phillips, explorando toda a sua carreira até esse momento.
- Uma lista de curiosidades interessantes sobre os bastidores do filme, que vão desde a origem da risada do personagem até o método de atuação e Joaquin Phoenix.
Além de tudo isso, separei também o trailer legendado do filme, informações sobre a ficha técnica, fotos e muito mais.
Vamos, então, mergulhar no universo sombrio de Coringa, começando pela crítica do filme.
Crítica | Coringa foge dos quadrinhos e busca inspiração na Nova Hollywood
Quando propôs à Warner Bros. a realização de um filme contando uma história de origem do vilão Coringa, o cineasta Todd Phillips explicitou o desejo de ter a sua obra produzida por ninguém menos que Martin Scorsese.
Scorsese acabou não participando da produção. Entretanto, a proximidade com o diretor nova iorquino ainda é grande. Sua influência, porém, é clara ao longo de toda a obra de Phillips.
Adotando uma estética que remete, e muito, aos filmes dos anos 1970 e 80, Coringa tem a cara de uma produção da chamada Nova Hollywood, especialmente das obras do início da carreira de Scorsese.
Uma das referências mais claras é Taxi Driver, de onde o filme tira a sua violência, a corrupção, a ausência do heroísmo e a sua consequência, a admiração ao assassino.
Porém, a influência mais direta é uma obra menos conhecida do diretor: O Rei da Comédia. É de lá que Phillips tira a história do comediante fracassado e com problemas psicológicos que ultrapassa os limites aceitáveis em busca de fama e reconhecimento.
Não por acaso, ambos os filmes são estrelados por Robert De Niro, que também aparece aqui em papel coadjuvante, porém essencial.
A história do filme
A trama de Coringa se passa na década de 1980 e acompanha Arthur Fleck (Joaquin Phoenix, sensacional), um sujeito pobre que vive em um apartamento caindo aos pedaços cuidando da sua mãe doente, Penny (Frances Conroy).
A rotina de Fleck se resume à pequenos trabalhos como palhaço, reuniões frequentes com uma psiquiatra e preparação para uma esperada carreira como comediante de stand up.
Ele também se ocupa enviando as cartas que a mãe escreve para seu antigo empregador, Thomas Wayne (Brett Cullen), candidato a prefeito de Gotham.
Ao contrário da figura filantrópica que normalmente era apresentada no cinema (e nos quadrinhos), o personagem de Thomas Wayne é mostrado aqui como empresário inescrupuloso e desconectado dos interesses da população.
Outra diferença é vista na arquitetura de Gotham City, vista aqui como uma cópia da Nova York da década de 1980. Trata-se de um local sujo, com lixos e ratos espalhados pelas ruas.
Esse é o mundo habitado por Fleck que, ao final de cada dia, encontra refúgio assistindo ao programa de humor de Murray Franklin (De Niro), sonhando em um dia poder conhecer seu ídolo.
Para o protagonista, o mundo dos sonhos é uma válvula de escape para a sua realidade brutal.
A luta de classes
A questão da luta de classes é central ao filme. Não por acaso, quando comete os seus primeiros assassinatos, o Coringa passa a ser idolatrado pela população, uma vez que suas vítimas foram yuppies que trabalhavam na bolsa de valores.
Aos olhos da população, as vítimas são as causadoras das desigualdades sociais, e o Coringa é o justiceiro que executa a sua vingança. E não faltam motivos para essa revolta.
Conforme o filme mostra, enquanto as classes menos favorecidas sofrem com a falta de infraestrutura, os ricos da cidade vivem protegidos em suas fortalezas.
Além disso, em certo momento, Thomas Wayne e o restante da elite de Gotham são vistos no cinema, assistindo ao filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin.
E o fato de os empresários e empregadores estarem se divertindo com um filme que critica as condições de trabalho nas fábricas diz muito sobre as suas personalidades.
Vale destacar, porém, que a ideia do filme não é apenas desbancar o altruísmo da família Wayne. O objetivo é apontar a câmera para o outro lado, para o lado das pessoas responsáveis pelo seu enriquecimento.
Tanto o cinema quanto os quadrinhos sempre mostraram que o Batman e o Coringa eram duas faces da mesma moeda.
O que este filme faz é afirmar que os dois são ainda mais próximos, separados apenas por uma linha social e econômica.
A atuação de Joaquin Phoenix e a direção de Todd Phillips
Encarando o personagem como alguém cuja risada é uma doença e um sinal de tristeza e solidão, Joaquin Phoenix entrega aqui uma das melhores atuações da sua carreira.
O ator não hesita em colocar o seu corpo em exposição, utilizando a própria magreza como forma de explicitar a deformidade da sua personalidade.
Com uma postura encurvada e fala baixa, ele parece conter toda sua raiva forçosamente, disfarçando-a com um falso sorriso.
E é notável que a primeira cena do filme seja justamente aquela na qual uma lágrima corta a sua maquiagem, quebrando a imagem de alegria que deveria ser representada pela figura do palhaço.
A atuação do ator Joaquin Phoenix é, sem dúvidas, o ponto alto do filme. Seu trabalho, porém, é auxiliado pela direção precisa de Todd Phillips.
Conhecido por comandar comédias debochadas, Phillips apresenta aqui uma mudança drástica de estilo.
Pois se na comédia ele precisava controlar precisamente o tempo para que a piada funcionasse, aqui o diretor adota a imprevisibilidade do seu protagonista, permitindo-se digressões que não teriam tanto espaço em uma narrativa convencional.
As cenas em que Artur dança, seja na calçada e na própria casa, são exemplos disso.
O diretor também adota uma abordagem muito mais crua nas cenas violentas, aumentando o impacto daquilo que é mostrado. E é este impacto que fica com o espectador, mesmo após o final da projeção.
Conclusões
Coringa é um filme poderoso e condizente com a nossa realidade. É uma obra que trata da precariedade da sociedade e consequências da falta de infraestrutura social.
Afinal, não basta que os heróis lidem com as consequências, ao mesmo tempo em que ignoram as origens desses problemas.
E esta é uma lição que nem o Batman aprendeu.
Perfil do diretor: Todd Phillips
Nascido em 20 de dezembro de 1970, em Nova York, Todd Phillips começou a sua carreira como documentarista.
Em 1993, ele escreveu, produziu e dirigiu o documentário Hated: GG Allin & the Murder Junkies, vencedor do prêmio Lumiere no New Orleans Film Festival.
Ele ainda dirigiu outros dois documentários, Frat House, em 1998, e Bittersweet Motel, em 2000, mesmo ano que ele lançou seu primeiro filme de ficção: Caindo na Estrada.
A comédia sobre um grupo de amigos em uma road trip apresentou ao público o estilo exagerado e escrachado característico do diretor.
Este mesmo estilo se repetiu em Dias Incríveis (2003), Starsky & Hutch, Justiça em Dobro (2004) e Escola de Idiotas (2006).
Em 2009, Phillips lançou o primeiro filme da franquia Se Beber, Não Case!, que se mostrou um grande sucesso de público e de crítica.
Além dos demais filmes da trilogia (lançados em 2011 e 2013), ele também dirigiu a comédia Um Parto de Viagem (2010), novamente estrelada pelo comediante Zach Galifianakis, seu parceiro de Se Beber, Não Case!
Cães de Guerra (2016) marcou uma mudança no seu estilo. Embora ainda fosse uma comédia, o filme não se parecia com os demais trabalhos do diretor.
Em vez disso, o longa emulava o estilo do ótimo O Lobo de Wall Street, dirigido por Martin Scorsese.
Conforme foi apontado na crítica, a admiração por Scorsese também influenciou a produção de Coringa, que carrega o DNA do veterano diretor.
Curiosidades sobre Coringa:
Você sabe de onde veio a inspiração para aquela risada bizarra do Coringa? Ou qual foi o processo de composição deste personagem?
Sabe se existe alguma conexão entre este filme e as demais produções cinematográficas da DC Comics?
Foi com o intuito de responder a estas e outras perguntas que eu preparei uma lista de curiosidades acerca do filme do Coringa, começando pela
A risada do Coringa
Um dos pontos mais marcantes da personalidade do Coringa é a sua risada.
Ao contrário das demais encarnações do personagem, em que a risada era um sinal de ironia (como foi o caso de Jack Nicholson) ou da imprevisibilidade (Heath Ledger), o ator Joaquin Phoenix inspirou-se na dor para compor a sua risada.
Segundo ele, parte da sua pesquisa consistiu em assistir a vídeos de pessoas sofrendo de risada patológica, uma condição médica que é reproduzida no filme.
A ideia, com isso, era tornar a risada algo desconfortável tanto para o personagem, quanto para o público.
Não por acaso, o ator declarou que compor a risada foi o seu maior desafio e a parte mais difícil de desempenhar nesse papel.
O resultado, porém, se mostrou bem-sucedido. A risada do Arthur Fleck de Joaquin Phoenix é algo único, diferente de todas as demais encarnações do personagem.
A história de origem do Coringa
Quem conhece a história de origem do Coringa nos quadrinhos, ou viu aquele filme do Batman dirigido por Tim Burton, vai perceber que a história contada aqui se difere bastante da origem normalmente associada ao personagem.
Nas histórias em quadrinhos, o Coringa fica desfigurado após cair em um tanque de produtos químicos. Mas diretor Todd Phillips e o roteirista Scott Silver acharam esta história pouco realista, e não condizente com a proposta deles.
Assim, em vez de fazerem uma adaptação fiel aos quadrinhos, eles se apropriaram de alguns elementos comuns ao personagem, com o intuito de criar uma história que referenciasse o material original, mas que fosse autêntica.
“O objetivo nunca foi introduzir Joaquin Phoenix para o universo das adaptações de quadrinhos. O objetivo foi introduzir as adaptações de quadrinhos ao universo de Joaquin Phoenix”, disseram eles, explicitando a importância do ator para a realização do filme.
Filme elogiado desde o seu lançamento
Coringa teve a sua première no festival de Veneza, um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. E saiu de lá com o prêmio principal, o Leão de Ouro.
Trata-se de um reconhecimento importante para o filme, que até então era visto com desconfiança pelos fãs do personagem.
Em seu discurso, o diretor Todd Phillips agradeceu a Warner Bros. por ter saído da sua “zona de conforto” e ter aceitado uma aposta tão arriscada como esta.
De fato, o filme surgiu numa época em que a Warner e a DC estavam tentando a todo custo seguir a fórmula da Marvel. Filmes como Liga da Justiça e Aquaman apostavam no humor e num conteúdo familiar.
O filme de Phillips, por sua vez, é um violento estudo de personagem, apoiado quase que inteiramente na atuação de Joaquin Phoenix.
O método de atuação de Joaquin Phoenix
Joaquin Phoenix é um ator metódico, que precisa estar presente de corpo e alma numa cena, para que possa se entregar por completo.
E se por um lado isso normalmente gera resultados espetaculares, tal método também causa alguns problemas durante a produção do filme.
Todd Phillips contou ao jornal The New York Times que Phoenix as vezes abandonava as cenas no meio da gravação. Mas ele sempre voltava depois de um tempo.
Phillips precisou aprender a lidar com esse temperamento, e as vezes até sugeria que os dois fossem dar uma volta, antes de retornarem para gravar uma determinada cena.
“Joaquin era muito intenso naquilo que estava fazendo, como tem que ser, e como ele é”, afirmou o ator Robert De Niro, com quem Phoenix divide algumas cenas.
Phoenix nunca abandonou nenhuma cena em que contracenava com De Niro.
Coringa não se conecta com os demais filmes da DC
Quando foi anunciada a produção deste filme, houve muita dúvida a respeito de como o longa iria se conectar com as demais produções do universo cinematográfico da DC.
A resposta é simples: ele não se conecta.
A versão do Coringa que vemos aqui não faz parte do universo de super-heróis como Mulher-Maravilha e Aquaman, assim como não se conecta com a outra encarnação do personagem vista recentemente no péssimo Esquadrão Suicida.
“Eu não vejo [o Coringa] se conectando com nada no futuro”, explicou o diretor Todd Phillips. “Isso é só um filme”.
Mas isso não impediu que o ator Jared Leto (que interpretou o personagem em Esquadrão Suicida) ficasse com ciúmes dessa produção.
Notícias recentes apontam que Leto fez de tudo para acabar com a produção, mas não conseguiu.
Fonte das curiosidades: IMDB.
FICHA TÉCNICA:
Título: Coringa
Ano: 2019
Gênero: Thriller/Drama
País de origem: EUA
Título original: Joker
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Douglas Hodge, Brian Tyree Henry, Frank Wood, Dante Pereira-Olson.