Crítica da primeira temporada da série Channel Zero, do canal SyFy.
Channel Zero é uma série de terror no formato antológico exibida pelo canal americano SyFy. Criada pelo roteirista Nick Antosca (do horrível Floresta Maldita), a atração tem a proposta de contar uma história diferente por temporada. Sempre com seis episódios de duração, cada temporada adapta uma creepypasta (contos fictícios de terror criadas para a internet e divulgadas como reais).
Esta primeira temporada, subtitulada Candle Cove, adapta a creepypasta escrita pelo artista Kris Straub (creditado como argumentista da atração) em 2009, na qual ele falava de um estranho programa de TV exibido na década de 1970. É possível encontrar registros na internet de pessoas que “reconheceram” esse programa estrelado por marionetes, dizendo que se lembravam de quando ele era exibido – por mais que Straub tenha inventado tudo.
Esse conceito da maleabilidade das memórias da infância é central em Candle Cove, que acompanha Mike Painter (Paul Schneider), um psicólogo infantil que, após ter um surto psicótico e passar por uma internação, revolve voltar à sua cidade natal com o intuito de resolver algumas questões pendentes na sua vida e enfrentar alguns dos seus traumas.
Misturando sonhos e realidade, passado e presente, os episódios adotam uma linguagem econômica para explicar muito da história daquela cidade e dos seus personagens. Por exemplo, logo de início vemos Mike num programa de entrevistas, no qual ele fala sobre os assassinatos que aconteceram na sua cidade há quase 30 anos e que seu irmão gêmeo, Eddie, sumiu naquela época e nunca foi encontrado.
Em princípio, a relação entre os desaparecimentos e um estranho programa de TV estrelado por marionetes não é explicitada – e parece ser percebida apenas pelo protagonista –, mas logo descobrimos que o tal programa era exibido na época dos assassinatos, e voltou ao ar agora, ainda que não seja possível rastrear a sua origem.
É possível reconhecer diversas referências à Stephen King, seja na maneira como a série explora a violência da juventude ou os segredos escondidos nas pequenas cidades interioranas dos Estados Unidos, mas Candle Cove não tem medo de criar uma identidade própria. Nick Antosca e sua equipe de roteiristas (que inclui Don Mancini, da franquia Brinquedo Assassino) abraçam o estranhamento – que também envolve um monstro feito de dentes humanos – sem se preocuparem em oferecer respostas mastigadas (desculpe o trocadilho) para o espectador.
Desta forma, a série não trata de um mistério que precisa ser resolvido, afinal, muitas das situações não têm uma explicação lógica (como a menina que some da sua casa e reaparece num local a milhares de quilômetros de distância); ou seja, a situação não é tão importante quanto à maneira como aquelas pessoas reagem a ela.
O que não impede que possamos arriscar algumas interpretações sobre o que é visto, uma vez que há espaço para isso também. Um exemplo disso é quando Painter vê um homem na beira da floresta. O mistério acerca da identidade daquela pessoa é logo resolvido, mas o motivo de ele estar ali não é esclarecido – e o destino daquele personagem, combinado com a linguagem lúdica da série, abrem um leque muito grande de interpretações.
O diretor Craig William Macneill (de O Garoto Sombrio), que comanda todos os episódios, é hábil ao criar situações que fogem do lugar-comum das produções de terror: em vez de investir em cortes rápidos e jump scares, ele usa lentidão das cenas como forma de gerar tensão. Além disso, Macneill utiliza a repetição das imagens do programa de TV como forma de causar uma sensação de estranhamento.
E por mais que sua escolha de colocar os personagens sempre no canto do quadro pareça arbitrária, ele é prejudicado pelo formato televisivo no qual Channel Zero está inserido: a necessidade de preencher uma temporada completa – por menor que ela seja – fica clara quando percebemos que dois episódios parecem não influenciar em nada no andamento da história, ao passo que o último tem um tom completamente diferente dos demais. Da mesma maneira, o corte da ação para a entrada do intervalo comercial as vezes soa brusco demais. Tais equívocos, porém, são pequenos, e não prejudicam a apreciação da série. Ao todo, já foram lançadas três temporadas e a 4ª já foi agendada pela emissora. Fiquei muito curioso pelo que vem por aí.
Direção: Craig William Macneill
Elenco: Paul Schneider, Fiona Shaw, Luisa d’Oliveira, Natalie Brown, Shaun Benson, Luca Villacis, Abigail Pniowsky, Marina Stephenson Kerr.