Terror independente trabalha com a sugestão para focar na tensão entre os personagens.
É curioso que meu texto anterior publicado aqui no blog tenha sido a crítica do western moderno The Rover – A Caçada, e que este seja seguido justamente pelo do terror Ao Cair da Noite. O motivo da minha curiosidade em relação a esses fatos é que pude reparar que ambos os longas trazem semelhanças significativas entre si. A primeira delas é o nome de Joel Edgerton, que naquele caso era responsável pelo argumento e que aqui aparece como protagonista e produtor executivo. A segunda é que ambos os trabalhos falam, cada um à sua maneira, de um futuro pós-apocalíptico, sem fornecer muitas informações a respeito da situação. Por fim, os dois títulos apresentam uma visão bastante pessimista desse futuro e sobre o que significa continuar vivendo nele.
A trama acompanha uma família que vive isolada na floresta, fugindo de uma doença que aparentemente é transmitida pelo contato e pelo ar que parece ter tomado conta do mundo. Já de início vemos o resultado dessa ameaça. O patriarca Paul (Edgerton), ao lado da esposa Sarah (Carmen Ejogo) e do filho Travis (Kelvin Harrison Jr.), precisam se despedir de um ente querido após este ter contraído a doença. A violência em seguida demonstra que aqueles são outros tempos, e que medidas drásticas devem ser tomadas para garantir a segurança da família. O contato com o mundo exterior é mínimo. Tábuas de madeira tampam as janelas e quase todas as portas estão trancadas, com exceção de uma, a única entrada e saída da casa.
A rotina da família muda quando o misterioso Will (Christopher Abbott) tenta invadir o local. Após ser rendido por Paul, ele é interrogado, e revela ser um pai de família tentando garantir a sobrevivência da sua esposa e filho pequeno. A história dele não emociona ninguém, porém Sarah usa a racionalidade para convencer o marido de que é preciso dar abrigo ao tal sujeito e a família dele, já que é preferível tê-los como aliados do que como inimigos. A situação parece melhorar com a presença de mais gente na casa. A comida não é mais escassa (os novos moradores trouxeram diversos animais) e ouvem-se risadas ao longo do jantar, contrapondo os silêncios desconfortáveis de quando eram apenas três moradores.
Apesar de parecer ter ficado contente com a presença dos outros, Paul nunca baixa sua guarda, e se mostra constantemente desconfiado daqueles “estranhos” – algo que fica claro na atuação contida e eficaz de Edgerton. Sua posição de patriarca continua a mesma e a prioridade continua sendo apenas a sua família. É uma posição defendida pela sua esposa, mas não pelo filho, que gosta da companhia daquelas pessoas, em especial de Kim (Riley Keough), a jovem e bela esposa de Will. Por mais que aquela morada pareça ser um ambiente seguro, é um lugar de constante medo e constante suspeita, o que piora quando estranhos eventos sugerem que eles não estão fora de perigo.
Aliás, “sugerir” é a palavra de ordem aqui. O diretor/roteirista Trey Edward Shults se diverte apontando a sua câmera para a floresta e deixando que o público forme a ameaça na sua cabeça. Ouvimos os estrondos na porta, e o zoom da câmera sugere um elemento estranho, mas é comum que se esconda a ameaça, para que não saibamos o que está ameaçando aqueles personagens – ou mesmo se há alguma coisa lá. A narrativa adotada pela sugestão surge como um reflexo da doença que eles tanto temem: o perigo invisível que ataca os menos cuidadosos, ou melhor, esse “algo que vem à noite”, como indica o título original. E como a ameaça externa não é explicitada, ela se personifica dentro da casa, na relação dos indivíduos.
É preciso destacar os quesitos técnicos de Ao Cair da Noite. A direção de fotografia explora bem a escuridão da floresta, dando-lhe vida e movimento. O design de som cria uma ambientação angustiante. E Shults muda a razão de aspecto do filme em certos momentos, como ao filmar os pesadelos de Travis, aumentando a tensão. É um recurso que ele já havia explorado em seu longa anterior, o drama Krisha (2015), e que se mostra bastante significativo, especialmente ao final, quando vemos os protagonistas num ambiente estreito e claustrofóbico, e percebemos que o pesadelo se tornou real. Fica claro que além de ser assustadora, a realidade daquelas pessoas também é extremamente pessimista.
FICHA TÉCNICA:
Título Original: It Comes at Night
Gênero: Terror
País: EUA
Direção: Trey Edward Shults
Roteiros: Trey Edward Shults
Elenco: Joel Edgerton, Christopher Abbott, Carmen Ejogo, Kelvin Harrison Jr., Riley Keough, Griffin Robert Faulkner, David Pendleton, Chase Joliet, Mick O’Rourke