Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Um “filme-evento” é um projeto que extrapola os limites do cinema para se tornar algo maior, considerando assim fatores mercadológicos e a expectativa do público (conforme apontou o crítico Celso Sabadin). Desta forma, toda a concepção do projeto e toda a sua construção narrativa estão voltadas para esse objetivo de “cinema-espetáculo”. Toda a grandiosidade da produção tem como objetivo de se comunicar com essa audiência cada vez maior e cada vez mais ansiosa, o que não deixa de ser uma tarefa ingrata, uma vez que essa unanimidade de opiniões é impossível de ser alcançada (vide as críticas negativas de Vingadores – Era de Ultron e Star Wars – O Despertar da Força). Digo isso porque Batman vs Superman: A Origem da Justiça é o primeiro “filme-evento” do ano, e essa a sua principal qualidade assim como o seu maior defeito. Mais do que isso, porém, acredito que olhando para o longa de Zack Snyder dessa maneira, poderemos aproveitá-lo na sua essência e vê-lo pelo que ele realmente é.
Essa ideia de se comunicar diretamente com o público já é visível no início da projeção, quando os realizadores buscam corrigir um erro grave cometido em O Homem de Aço. O longa anterior terminou com o Superman e Lois Lane se beijando nos escombros de uma Metrópolis destruída, ignorando as milhares de mortes causadas pela presença do herói. Tal fato se tornou o centro do roteiro de Chris Terrio e David S. Goyer e é o motivo do conflito entre os dois protagonistas. Aqui, Bruce Wayne é visto em Metropolis durante a luta do Superman com o General Zod, e testemunha as mortes dos seus funcionários após um prédio desabar. Dezoito meses depois, o Cavaleiro das Trevas inicia uma investigação em cima do super-herói alienígena, enquanto a popularidade deste começa a cair após um incidente no deserto que resultou em diversas mortes. Isso faz com que o governo americano questione os seus atos, e parte da sociedade que antes o via como uma figura divina passa a olhá-lo com desconfiança. Paralelo a isso, o jovem empresário Lex Luthor desenvolve uma pesquisa com a tecnologia kryptoniana retirada dos escombros da cidade, enquanto a misteriosa Diana demonstra interesse no conhecimento de Luthor, ainda que por motivos próprios.
Pela sinopse acima é possível perceber que a trama se estende mais do que o necessário, visando inserir elementos da mitologia dos quadrinhos. E se isso funciona como referência para os fãs de HQs (que formam uma parcela considerável do público alvo desse “filme-evento”), revela-se um recurso falho do ponto de vista narrativo (e confuso para a outra parcela dos espectadores). A grande quantidade de personagens impede o desenvolvimento adequado dos coadjuvantes, tornando-os o ponto fraco do longa. Perry White é apenas um chefe chato; Lois Lane é uma donzela em perigo que precisa ser salva pelo namorado em três situações diferentes; Lex Luthor é um garoto mimado cujas motivações nunca ficam claras; e Diana/Mulher-Maravilha é acrescentada à história, mas não faria nenhuma falta caso não estivesse ali. Da mesma maneira, a menção dos “meta-humanos” soa mais como uma tentativa da DC/Warner de seguir os parâmetros de continuidade da rival Marvel/Disney, algo que sempre foi o ponto fraco desta. Sendo assim, cenas de sonhos (ou visões do futuro; ou visões de universos paralelos) surgem no meio do filme (e não nos créditos como a Marvel faz) apenas para ilustrar o que pode ser que venha pela frente, não acrescentando em nada o que estamos vendo naquele momento.
Mas esse processo de tentar atingir as expectativas não é de todo o mal, pois ao menos permite a criação de um espetáculo visual impressionante. E nesse sentido, Zack Snyder é a pessoa certa para comandar o show. Dono de um apuro estético bastante característico, o cineasta explora-o ao máximo em abordagens distintas e condizentes com os seus personagens. Enquanto enquadramentos em contra plongée, em contraluz e o uso de câmera lenta ajudam na concepção da imagem divina do Superman, o oposto acontece com o Batman, que é visto sempre nas sombras, enaltecendo o seu aspecto demoníaco – que assusta até mesmo as pessoas que ele salva. E se a cena que abre o longa – o assassinato dos Wayne – serve para estabelecer o clima fantasioso do restante da projeção, o clímax explora essa mesma fantasia, adicionando a ela o elemento da grandiosidade típico do diretor e tão aguardado pelos fãs. Desta forma, as sequências de lutas são extremamente aceleradas e explosivas, e em muitos momentos fica a impressão de que a câmera sequer consegue acompanhar o movimento dos heróis (muitos criticam isso como sendo falta de lógica, mas eu gosto).
Porém, o grande destaque é a relação entre os dois protagonistas, que funcionam separados tão bem quanto funcionam juntos. Superman/Clark Kent aparece dividido entre a sua natureza de herói e o seu disfarce de humano, demonstrando até certa vaidade nos seus atos “divinos” ao mesmo tempo em que se mostra dividido pela impossibilidade de ter uma vida normal. E por mais que esteja preso ao aspecto “engessado” do Superman e que o roteiro não dê espaço para que desenvolva o papel de Clark Kent, Henry Cavill faz um trabalho notável dando essas nuances ao personagem. Já o Batman/Bruce Wayne surge como alguém amargurado e ferido pelo seu passado, o que o fez abandonar completamente o seu lado racional e se entregar de vez aos instintos emocionais mais básicos, como a raiva. Assim, Ben Affleck se destaca por transparecer essa amargura e essa raiva através do olhar, e não da fala – reparem como ele não consegue sequer articular as palavras enquanto tenta explicar o motivo do seu ódio numa conversa com Alfred. Trata-se de uma abordagem do personagem diferente daquela que se costuma ver no cinema. Aqui, o Batman se assume como um criminoso, e não se preocupa em salvar os bandidos que enfrenta. Em vez disso, ele os marca como gado, quebra seus ossos e os esfaqueia.
Por fim, Batman vs Superman: A Origem da Justiça tem sim os seus problemas, mas não é nem de longe o fracasso que muitos estão apontando – talvez por não ter atingido as suas expectativas. É sim, e acima de tudo, um “filme-evento”, e deve ser tratado como tal. Tive a oportunidade de assisti-lo em Imax e isso contribuiu muito para essa minha opinião, uma vez que a tecnologia de exibição casa com a grandiosidade audiovisual proposta por esse “acontecimento cinematográfico”. É o tipo de obra que só faz sentido ser assistida no cinema. E eu acho isso um esforço louvável, ainda mais numa época em que se discute serviços de streaming para lançamentos.


FICHA TÉCNICA
Título original: Batman v Superman: Dawn of Justice

Gênero: Aventura
País: EUA
Ano: 2015
Duração: 151 min.
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio e David S. Goyer
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Jesse Eisenberg, Diane Lane, Laurence Fishburne, Gal Gadot, Scoot McNairy, Callan Mulvey, Mercy Graves, Kevin Costner, Carla Gugino, Michael Shannon, Jeremy Irons e Holly Hunter.