O cineasta Todd Solondz (diretor de filmes polêmicos como Felicidade e Bem-Vindo à Casa das Bonecas) tem a habilidade ímpar de misturar humor com situações degradantes, humilhantes e impróprias. Nas mãos de alguém menos talentoso, tal combinação provavelmente resultaria em obras irregulares ou até mesmo condenáveis. Nas mãos de Solondz, resulta em filmes chocantemente divertidos — como é o caso deste Histórias Proibidas (Storytelling, 2001).
Dividido em dois capítulos, intitulados “Ficção” e “Não Ficção”, o filme narra duas histórias separadas, exibidas de forma consecutiva e sem qualquer relação entre si — com exceção, é claro, do estilo ácido do realizador. A primeira história acompanha Vi (interpretada por Selma Blair), uma estudante universitária que tem um caso com seu professor de literatura. Já a segunda história segue Toby (Paul Giamatti), um documentarista que deseja fazer um filme focado na vida do estudante Scooby (Mark Webber) e de sua família.

Conforme sugere o título original, cada capítulo explora diferentes nuances relacionadas ao ato de “contar histórias”. A primeira parte fala sobre o uso da ficção como ferramenta para abordar histórias pessoais e eventos reais. Além de discutir aspectos relacionados à estrutura e ao desenvolvimento de personagens (afinal, a história gira em torno de estudantes de literatura), o segmento mostra que, ao ser colocado no papel, até mesmo o relato mais realista e pessoal se torna ficcional — e sujeito a diferentes interpretações que fogem à “intenção do autor”.
Em contrapartida, o segundo segmento explora as nuances da narrativa documental, um estilo considerado “mais realista”. Esse conceito de realismo, porém, é questionado pela obra, que mostra como esse relato do real é também um relato limitado. Tal limitação se dá tanto pelo alcance da câmera — que não consegue filmar tudo o que acontece — quanto pela visão do documentarista, que escolhe o que fica e o que sai do filme. Em certo momento, por exemplo, Toby avalia o material capturado e não hesita em tentar manipulá-lo para atingir certo objetivo — por mais que essa manipulação sacrifique o “realismo” daquele registro.

Além dos temas abordados pelo filme, a própria construção narrativa de Histórias Proibidas também merece destaque. A começar pela direção de arte e pelo figurino, que trabalham em harmonia para apresentar um visual coeso e rico. Na parte da “Ficção”, por exemplo, é possível conhecer a personalidade de cada um dos alunos do curso de literatura apenas pelas roupas que usam. Aliás, é curioso notar como uma das alunas veste roupas escuras de gola alta — o mesmo estilo usado por seu professor, com quem ela tem um caso. Ou seja, o figurino serve para simbolizar a admiração dela por ele.
Mas, enquanto os figurinos do primeiro capítulo servem para aproximar os personagens, no segundo as vestimentas são usadas para evidenciar o distanciamento entre eles. As roupas escuras e o cabelo desgrenhado de Scooby servem para afastá-lo ainda mais de sua família — sempre vista com roupas claras e coloridas. Da mesma maneira, o cenário amplo e claro da casa não traz conforto ao personagem, servindo apenas para reforçar a ideia de que ele é uma espécie de intruso naquele ambiente.

O distanciamento entre aquelas pessoas é ampliado ainda mais pelas excelentes performances dos atores, cujos personagens parecem presos a um peso insuportável de tédio e apatia — o que os torna incapazes de se relacionar com as pessoas ao seu redor. E é com essa apatia que eles destilam os maiores absurdos do roteiro, como quando Vi reclama do ex-namorado, dizendo: “Eu achei que ele seria diferente. Ele tem paralisia cerebral”.
Porém, o grande campeão dos absurdos é o pequeno Mickey (Jonathan Osser), responsável pelos melhores/piores momentos do filme. Mostrado inicialmente como um mero coadjuvante, o jovem aos poucos ganha mais destaque na obra, como um dos irmãos de Scooby que anseia por atenção. Entretanto, por se tratar de um longa-metragem de Todd Solondz, é de se esperar que esse anseio seja saciado da maneira mais absurda possível — e é justamente isso que acontece.
Ao final, Histórias Proibidas é menos um estudo sobre as estruturas narrativas contemporâneas (embora também aborde essas questões teóricas) e mais uma síntese do estilo único de seu realizador. É um filme igualmente incômodo e divertido, repleto de personagens fascinantes e abomináveis. Em suma, mais um ótimo trabalho de Todd Solondz.
Confira o trailer de Histórias Proibidas:
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