Jovem talento do cinema canadense, Xavier Dolan (“Eu Matei a Minha Mãe“, 2009) vem chamando cada vez mais atenção com filmes fortes, polêmicos e de qualidade. Em Laurence Anyways, seu novo longa-metragem, o cineasta realiza não só o seu mais grandioso projeto como também o melhor trabalho da sua curta (e ótima) filmografia.
Escrito pelo próprio diretor, o roteiro acompanha uma década na vida de Laurence Alia (Melvil Poupaud, ótimo), um professor colegial que divide seu tempo entre o namoro com a bela Fred (Suzanne Clément) e discussões intelectuais com os amigos. Apesar da aparente felicidade, a vida de Laurence é tomada por um vazio que ele não consegue mais disfarçar. É quando decide fazer uma cirurgia de troca de sexo. A partir daí, tem início um longo processo – físico (eletrólise, hormônios, etc.) e psicológico – de adaptação a essa nova realidade. Adaptação essa que precisa partir tanto dele, se aceitando do jeito que é, quanto das pessoas à sua volta, como os pais, os alunos, e, principalmente, a namorada.
É notável a evolução de Dolan como roteirista, que apresenta aqui uma trama extensa e complexa, sem nunca perder o ritmo ou o foco narrativo. Além disso, a maneira como ele desenvolve os personagens, com extrema atenção aos detalhes (como a piscadinha de olho), confere um grau de realismo necessário para o bom funcionamento do filme. É preciso que o público acredite nas decisões daquelas pessoas, mesmo que isso signifique apoiar a mudança de sexo do namorado. Não por acaso, uma das melhores cenas do longa é àquela em que Laurence finalmente fala para Fred sobre sua decisão: ao ouvir o namorado explicando o quanto ele odeia suas características masculinas, ela responde com os olhos cheios de lágrimas “você odeia tudo aquilo que eu amo em você”. E é tocante ver o protagonista questionando se sua mãe (Nathalie Baye) vai continuar o amando mesmo depois da mudança, e o senso de humor da mesma ao retrucar: “Você vai virar mulher ou vai virar idiota?”.
Confiando na inteligência do espectador, o texto em nenhum momento soa auto-explicativo ou redundante, e, muitas vezes, resolve as situações sem o uso de uma única palavra, como a sequência em que Fred ouve o choro de um bebê na loja de conveniências Da mesma maneira, é interessante perceber como Laurence evita o uso de um espelho maior na primeira vez que está se maquiando – antes da transformação –, não querendo se ver por completo. E o fato dele se referir a ela em seu livro como AZ – o começo e o fim – revela não só o significado que a garota tem em sua vida como é também uma belíssima declaração de amor.
Como diretor, Dolan mostra-se extremamente seguro e bastante estilizado, usando, inclusive, diversos simbolismos visuais – como a borboleta saindo da boca ou a cascata no sofá – como forma de ilustrar o estado de espírito daqueles personagens. E por mais que ele exagere em certos momentos, o fato de se tratar de uma história contada por meio de flashbacks torna justificável que o narrador distorça, e até falseie os fatos, de maneira a torná-los mais impactantes. Além disso, a combinação do uso de slow motion e a trilha sonora dão um tom grandioso a uma trama intimista.
A direção de arte e a fotografia também merecem destaque por empregarem narrativamente o uso de cores chamativas. Reparem como as cenas onde é utilizada a luz vermelha normalmente estão associadas a algo que o protagonista considera repreensível, como o momento em que toma a temida decisão ou a briga no bar. Já o figurino de Fred se alterna durante a projeção, iniciando com cores fortes e vivas e, com o tempo, passando a apresentar cores neutras, combinando com o ambiente em que ela vive – como se ela tivesse sido sugada por aquele lugar.
Depois de dividir opiniões em relação ao seu segundo longa-metragem, “Amores Imaginários” (2010), em Laurence Anyways Xavier Dolan volta a brilhar ao entregar um filme fascinante, tanto em forma quanto em conteúdo.
(idem – Drama – França/Canadá – 2012 – 168 min.)
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Elenco: Melvil Poupaud, Suzanne Clément, Nathalie Baye, Monia Chokri, Magalie Lépine Blondeau.
Nota: (Excelente) por Daniel Medeiros