Crítica | Maligno tenta inovar o tema da criança como forma ameaça, mas não consegue

O tema de crianças demoníacas ou psicopatas já foi explorado à exaustão pelo gênero de terror. Filmes como A Profecia, por exemplo, colocavam a criança como a principal representação da ameaça. Em outros, como O Exorcista, ela é apenas uma vítima das circunstâncias, alguém cuja inocência é ameaçada por um mal externo. A recente produção do gênero, Maligno, fica num meio termo, demorando a se entregar totalmente à vilania do seu personagem, ao mesmo tempo em que não prega a sua inocência, e nem a daqueles que o cercam.
Essa dualidade entre bem e mal tem relação com a temática aqui abordada. Escrito por Jeff Buhler (criador da série Nightflyers), o longa tem início com uma mulher fugindo do seu captor e sendo encontrada na beira da estrada. Em paralelo a isso, é mostrado que a jovem Sarah Blume (vivida por Taylor Schilling, da série Orange Is the New Black) está prestes a dar à luz ao seu bebê prematuro. Ela e o marido correm ao hospital, à medida que, em outro estado, a polícia corre até a casa de onde a vítima tinha fugido do seu algoz. Este, um assassino em série, é morto num confronto com os policiais. Simultaneamente, nasce o filho de Sarah.
À imagem do corpo nu e coberto de sangue do assassino é sobreposta a imagem do recém-nascido, também nu e coberto de sangue. Um é velho, o outro é novo. Um está morto, o outro vivo. Por meio deste contraste, fica claro que esta é uma história de reencarnação. A novidade, porém, é que o tema é apresentado de forma similar ao de uma dupla personalidade, ou de uma possessão. A alma do assassino habita o corpo do pequeno Miles Blume (Jackson Robert Scott) junto da alma dele. Ambas disputam espaço pelo controle do corpo.
Similar ao que M. Night Shyamalan mostrou em Fragmentado, uma personalidade precisa ceder lugar, ou ter o seu lugar tomado por outra. Existe, portanto, uma batalha sendo travada entre duas personalidades conflitantes. Mas em vez de focar nessa dualidade, o filme desprende bastante tempo para demonstrar os sinais de psicopatia que se manifestam ao longo da vida do pequeno Miles – alguns desses momentos, por sinal, são risíveis, como quando ele esmaga uma aranha fazendo cara de mal.
Não que o desenvolvimento do protagonista não seja importante, mas a impressão que fica é que o roteiro se esforça para nos entregar informações que não precisávamos, ao mesmo tempo em que priva os personagens de tal conhecimento. Assim, ficamos esperando que aquelas pessoas cheguem à mesma conclusão que nós já chegamos após cinco minutos de projeção.
Talvez ao perceber isso, o roteirista acaba acelerando a velocidade em momentos indevidos, pulando muitas etapas para chegar logo a conclusões extremas que, normalmente, levariam mais tempo (afinal, reencarnação seria mesmo a primeira conclusão a que uma professora de ensino infantil chegaria ao lidar com uma criança agindo de maneira estranha?). Nessa pressa, alguns dos subtextos sugeridos – como a ideia de que aquilo é uma metáfora para as mudanças causadas pela maternidade – são logo descartadas.
O diretor Nicholas McCarthy (do subestimado Na Porta do Diabo) explora bem a dicotomia do seu protagonista por meio de uma concepção visual apurada. Além das rimas expostas pela montagem (e do fato de o menino ter olhos de cores diferentes), existem cenas em que o cineasta filma o garoto com metade do rosto pintado, ou posicionando-o de tal forma que sua face fique entre a luz e a escuridão, simbolizando assim a personalidade conflituosa daquele personagem.
Esse apuro visual também serve para disfarçar um pouco das atuações canhestras do seu elenco. Enquanto Taylor Schilling tem dificuldade em retratar a espiral de loucura pela qual Sarah passa – em grande parte por culpa do roteiro –, o jovem Jackson Robert Scott até transparece a inocência de metade da sua personalidade, mas sua vilania é sabotada por uma atuação que, em muitos casos, se limita a abaixar a cabeça e olhar para cima, como forma de dar-lhe um ar mais… maligno.
Apesar de todos os problemas, o filme encontra seu caminho durante o terceiro ato. Por mais que algumas das decisões tomadas pelos personagens sejam bastante questionáveis, as decisões tomadas pelos realizadores são louváveis, por seguirem um caminho diferente daquele que parecia estar sendo traçado ali. Isso não chega a ser suficiente para apagar todos os defeitos e também não aproxima este longa dos exemplos citados anteriormente, mas ao menos fica num meio termo.

FICHA TÉCNICA:
Título original: The Prodigy
Gênero: Terror
País: EUA
Duração: 92 min.
Ano: 2019
Direção: Nicholas McCarthy
Roteiro: Jeff Buhler
Elenco: Jackson Robert Scott, Taylor Schilling, Peter Mooney, Colm Feore, Paul Fauteux, Brittany Allen, Paula Boudreau.

Assista ao trailer legendado de Maligno: