Novo filme do cineasta Barry Jenkins (diretor do vencedor do Oscar por Moonlight), Se a Rua Beale Falasse é a adaptação de um livro de James Baldwin que se utiliza da rua do título como um microcosmo para retratar um problema social nos Estados Unidos, e no mundo. O longa abre com uma citação de Baldwin que explicita isso. Ele diz que “A Rua Beale é uma rua em Nova Orleans, onde nasceram meu pai, Louis Armstrong e o jazz. Todo negro nascido na América, nasceu na Rua Beale, no bairro negro de uma cidade americana, seja em Jackson, Mississipi, ou no Harlem, NY. A Rua Beale é nosso legado. Este romance trata da impossibilidade e a possibilidade, a necessidade absoluta de dar expressão a esse legado”.
A trama é focada no relacionamento de Tish Rivers (KiKi Layne) e Alonzo ‘Fonny’ Hunt (Stephan James), que está preso. Após descobrir que está grávida, a garota recebe todo o apoio e auxílio de sua família, especialmente da mãe (interpretada por Regina King, num papel que lhe rendeu o Oscar), não apenas para cuidar da criança que vai nascer, como também para tentar tirar o seu namorado inocente da cadeia. E por mais que a religiosidade da sogra de Tish surja como um empecilho, isso é logo descartado pela narrativa, que não parece interessada em criar conflitos desnecessários entre os seus personagens. Afinal, assim como demonstra a citação de antes, o foco aqui é a união, não o conflito.
Além de dirigir, Jenkins ficou responsável pelo roteiro da adaptação. A junção da escrita de Baldwin com a do diretor gera uma sincronia de diálogos eruditos, quase teatrais, o que confere uma elegância sonora ao texto. Jenkins também tem um talento especial para capturar a beleza de cada situação filmando os protagonistas num belíssimo contraluz. Já a escolha precisa no uso de cores confere novas camadas de interpretação à imagem, em especial no uso do amarelo. Amarelo é cor do vestido dela e da camiseta dele. É a cor da toalha que os dois usavam quando eram crianças. E mesmo no desespero de estar preso injustamente, o amarelo nas paredes surge como um sinal de esperança.
A bela concepção das imagens, apoiada numa montagem não-linear que mistura passado e presente, dá ao filme um aspecto onírico, ao menos nos momentos felizes, antes de se transformar num pesadelo. E tal pesadelo não é uma exclusividade daqueles personagens, tendo relação com uma realidade que assola grande parte da população negra dos Estados Unidos. Conforme mostra o documentário A 13ª Emenda (disponível na Netflix), a maioria da população carcerária americana está aguardando julgamento. Porém, a demora nos procedimentos legais muitas vezes esgota os recursos financeiros dos acusados, eliminando qualquer possibilidade de defesa. Culpa não faz parte da equação.
O drama de Tish e Fonny ecoa a história de milhares – talvez milhões – de pessoas que estão naquela mesma situação. Aí está o potencial político e cinematográfico (ou político/cinematográfico) da obra. Não por acaso, Se a Rua Beale Falasse foi praticamente ignorado pelo Oscar desse ano (com exceção do prêmio dado a Regina King). Em vez de reconhecer estas qualidades, a cerimônia preferiu premiar Green Book, longa sobre racismo feito para fazer o homem branco se sentir bem consigo mesmo. A “necessidade absoluta de dar expressão a esse legado” mencionada por Baldwin foi ignorada pela academia. E este é um dos motivos porque esse filme merece ser descoberto.
FICHA TÉCNICA:
Título original: If Beale Street Could Talk
Gênero: Drama
País: EUA
Duração: 119 min.
Ano: 2018
Direção: Barry Jenkins
Roteiro: Barry Jenkins
Elenco: KiKi Layne, Stephan James, Regina King, Teyonah Parris, Colman Domingo, Ebony Obsidian, Michael Beach, Aunjanue Ellis, Diego Luna, Ed Skrein, Emily Rios, Pedro Pascal, Brian Tyree Henry, Dave Franco, Finn Wittrock.