Embora tenha sido filmado em 2022, o filme Guerra Civil (Civil War, 2024) ainda reflete os medos relacionados à divisão política e social dos Estados Unidos causados pela ascensão de Trump ao poder. O temor de uma política autoritária alimentada pela desconfiança na imprensa, pelo descaso com as minorias e pelo preconceito contra imigrantes é claramente expressado no longa-metragem escrito e dirigido por Alex Garland (Ex-Machina), cujo intuito é ilustrar o que poderia ter acontecido caso tal política fosse levada adiante.
A trama se passa alguns anos após o início de uma nova guerra civil que dividiu os Estados Unidos. De um lado está o governo autoritário liderado por um presidente (Nick Offerman) em seu terceiro mandato. Do outro lado estão os estados que se rebelaram contra a tirania do governo e que lideram as forças de resistência. Em meio aos conflitos estão os jornalistas e correspondentes de guerra, transitando através dos campos de batalha e constantemente se colocando em perigo para reportar as notícias do conflito.
Diante da possibilidade de a guerra estar chegando ao fim, a fotógrafa Lee (Kirsten Dunst) e o repórter Joel (Wagner Moura) decidem atravessar o país e tentar fazer uma última entrevista com o presidente, antes da sua queda. Trata-se de uma missão possivelmente suicida, já que o presidente está escondido dentro da Casa Branca, cercado de seguranças que não costumam tratar bem os membros da imprensa. A dupla é acompanhada (a contragosto) por Sammy (Stephen McKinley Henderson), um jornalista veterano, e Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem e inexperiente fotógrafa que admira o trabalho de Lee e quer ser como ela.
A relação com o antigo presidente norte-americano é evidente. Logo no início, o personagem de Offerman aparece ensaiando um discurso recheado das hipérboles características da sua “versão real” (como ao afirmar que a atual operação do exército é a maior da história da humanidade). Além disso, o fato de o filme ser estrelado por minorias (mulheres, negros e imigrantes), ou seja, pelas pessoas mais ameaçadas pelas políticas trumpistas, também reforça essa analogia. E o fato de esses personagens serem jornalistas dos mesmos veículos que Trump acusou de destilar fake news é só a cereja do bolo.
Estruturado como um road movie, Guerra Civil acompanha esse grupo de personagens em sua jornada através do país. Ao longo do caminho, eles percebem como a guerra afetou e afeta diferentes regiões. Existem conflitos entre o governo e os rebeldes, mas também existem conflitos entre pessoas que nem sabem contra quem estão lutando. Também há lugares onde as pessoas preferem ignorar a guerra, enquanto, em outros locais, milicias usam o conflito como desculpa para criarem suas próprias leis.
Visualmente, a obra é impressionante, contando com cenas de impacto que realçam o enorme escopo da produção, e Alex Garland se mostra um excelente diretor de cenas de ação (especialmente no clímax, que mostra a invasão à Casa Branca). Da mesma maneira, é notável a forma como o filme ilustra visualmente a fadiga que a guerra está causando na protagonista. Imagens de dor e sofrimento passam a invadir a sua visão de forma violenta, causando um acúmulo psicológico que eventualmente vai transbordar.
Porém, se a maioria das escolhas visuais merece destaque, existe um momento extremamente incômodo: quando o diretor tenta extrair beleza da guerra. Ao filmar as chamas da destruição em câmera lenta, Garland opta por dar um aspecto lúdico ao conflito. A escolha, ao meu ver, é problemática, porque extrai da guerra o seu aspecto cru e cruel, sobrepondo a isso uma beleza artificial que esconde a sua realidade. Tratar a guerra como uma fonte geradora de beleza vai contra toda a proposta humanitária apresentada pelo filme.
Apesar desse problema, Guerra Civil é um retrato bastante preciso de algo que esteve bem perto de acontecer em 2020, e, infelizmente, de algo que está próximo de acontecer novamente.