O que é a Lei da Cota de Telas?

Nos últimos meses, um assunto que gerou bastante discussão na internet foi a chamada Cota de Telas. O motivo dessa repercussão foi o fato de o presidente Lula ter sancionado duas leis específicas voltadas à proteção e promoção do cinema nacional.

Mas o que exatamente dizem essas leis? E como elas podem beneficiar ou prejudicar as produções audiovisuais nacionais? É sobre isso que nós vamos discutir ao longo deste post. Mais especificamente, vamos conversar sobre:

  • O que é a lei de cota de telas.
  • O que é o PL nº 3.696/23.
  • O que é o PL nº 5.497/19.
  • Como isso pode impactar o cinema nacional.
  • Como isso afeta o livre mercado.
  • Quantidade de público e filmes lançados.

Além disso, também vamos citar outros países que adotam projetos de lei similares a esses que foram implementados aqui.

Se você estiver interessado em apenas um desses assuntos, use o índice abaixo para pular diretamente para o seu tópico de preferência. Caso contrário, aproveite a leitura.

O que é a lei da cota de telas

De maneira resumida, é possível dizer que a cota de telas nada mais é do que a reserva de um determinado número de horários nas salas de cinema ou nos canais de televisão para a exibição de produções nacionais.

Porém, é preciso deixar claro que não existe uma lei chamada Cota de Telas. O que existem são dois projetos de leis, sancionados pelo presidente Lula em 15 de janeiro de 2024. São os PL nº 3.696/23 e PL nº 5.497/19.

Cabe, então, discutirmos um pouco cada um desses projetos de lei.

O que é o PL nº 3.696/23

O PL nº 3.696/23 estabelece a prorrogação do prazo de obrigatoriedade de exibição comercial de obras cinematográficas brasileiras. Ele tem o objetivo de estabelecer uma cota de produções nacionais exibidas na TV.

Em resumo, a nova legislação prorrogou até 2043 a obrigação que os canais pagos têm de exibirem filmes nacionais (em formato de longa-metragem) dentro de sua programação. De acordo com o texto da lei:

“Até 31 de dezembro de 2043, as empresas de distribuição de vídeo doméstico deverão ter um percentual anual, fixado em regulamento, de obras brasileiras cinematográficas e videofonográficas entre seus títulos, ficando obrigadas a lançá-las comercialmente.”

Ou seja, não há muita diferença entre o que já vinha sendo feito. Anteriormente, a validade da lei era até 31 de janeiro de 2038, e agora passou para 31 de dezembro de 2043.

TV em casa - cota de telas

Alguns pontos que valem a pena ser destacados nesse caso:

  • A lei estabelece que nos canais de espaço qualificado, no mínimo 3h30 (três horas e trinta minutos) semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar o espaço qualificado, e metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente.
  • No caso de canais por assinatura, em todos os pacotes ofertados ao assinante, a cada 3 (três) canais de espaço qualificado existentes no pacote, ao menos 1 (um) deverá ser canal brasileiro de espaço qualificado.
  • Nos canais de programação ofertados em modalidade avulsa de conteúdo programado, no mínimo 10% (dez por cento) dos conteúdos ofertados que integrarem espaço qualificado deverão ser brasileiros.

Ou seja, a lei fala sobre canais abertos e por assinatura, estabelecendo regras para o tipo de oferta necessária em cada caso. É importante destacar, porém, que a lei não inclui exibição em streaming.

No entanto, a maior mudança aconteceu no PL nº 5.497/19. Então vamos falar um pouco sobre ele.

O que é o PL nº 5.497/19

O PL nº 5.497/19 tem como objetivo estabelecer a cota de exibição comercial de obras cinematográficas brasileiras até o prazo de 31 de dezembro de 2033. “Recriar”, aqui, é a palavra-chave. Porque a cota de tela não é uma novidade. Ela já existia, porém estava em desuso.

Na verdade, a cota de telas foi estabelecida em 2001, por meio da Medida Provisória nº 2.228-1, que dizia, entre outras coisas, que pelos próximos 20 anos, as salas de exibição precisariam exibir obras nacionais por um determinado número de dias.

Ou seja, a validade era até 2021. Desde então, a cota de telas não tinha mais validade. Agora, o PL nº 5.497/19 traz de volta a obrigatoriedade de que seja exibida uma determinada quantidade de filmes nacionais nas salas de cinemas.

A lei diz o seguinte:

“Até 31 de dezembro de 2033, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, de espaços, de locais ou de complexos de exibição pública comercial ficam obrigadas a exibir obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem no âmbito de sua programação, observados o número mínimo de sessões e a diversidade dos títulos, fixados nos termos do regulamento, com periodicidade anual, por meio de decreto do Poder Executivo, ouvidas a Ancine e as entidades representativas dos produtores, dos distribuidores e dos exibidores.”

Quais são os benefícios da Lei da Cota de Telas?

A Lei da Cota de Telas traz diversos benefícios para o cinema brasileiro. Por um lado, ela garante um equilíbrio maior entre a cadeia de produção e a de distribuição.

Afinal, de nada adianta o Brasil produzir centenas de filmes todos os anos, se apenas algumas dezenas desses filmes chegam ao público.

Para se ter uma ideia, apenas em 2022, foram lançados 173 filmes brasileiros. No entanto, a grande maioria desses filmes não chega ao mercado distribuidor, e por isso muitas pessoas sequer sabem que esses filmes existem.

Assim, um dos principais benefícios da Lei da Cota de Telas é equilibrar um pouco mais essa balança.

O principal benefício da Lei da Cota de Tela é garantir legalmente que uma porcentagem das telas de cinema estará protegida da prática de Block Booking.

O que é Block Booking?

O Block booking é uma prática na indústria do entretenimento em que os estúdios vendem vários filmes como um pacote para os exibidores.

Basicamente, para que o exibidor obtenha o direito de exibir o novo Vingadores ou o novo Star Wars, ele precisa também adquirir uma vasta gama de produções menores, sem o mesmo poder atrativo.

E para garantir o retorno do seu investimento, ele precisa exibir esses filmes menores extensivamente.

Além disso, quando é chegada a hora de exibir o Vingadores ou o Star Wars, ele lota as salas com esses filmes, já que é responsabilidade dele pagar não apenas pela sua própria exibição, mas pela exibição de todos os outros filmes do “pacote”.

Isso nos leva a outro tema que normalmente circula a discussão sobre Cota de Telas, que é:

Como a cota de telas interfere no livre mercado?

Uma das grandes discussões que giram em torno do tema da cota de tela é a ideia de que a lei, de certa maneira, interfere na lógica do livre mercado.

A justificativa que se estabelece, nesse caso, é que o governo estaria tentando “forçar” as pessoas a verem filmes que elas na verdade não querem ver.

E, ao mesmo tempo, estaria também impedindo o acesso delas a “filmes melhores”, que elas realmente querem assistir.

Esse argumento é equivocado por diferentes aspectos. Primeiro, porque como nós vimos na discussão sobre Block Booking, o próprio mercado já está fazendo isso que algumas pessoas acusam o governo de tentar fazer.

Ao forçar a compra e exibição de diferentes filmes, o mercado está impondo a exibição desses filmes para o público, quer o público tenha interesse neles ou não.

Outra falácia que normalmente circula nessas discussões é a ideia de que o número de salas que um filme ocupa é resultado direto do interesse do público naquele filme.

Imagem de sala de cinema vazia - cota de telas

Porém, recentemente ficou evidente que isso não é verdade. Filmes como Aquaman 2 e As Marvels ocuparam quase todas as salas de exibição, mas na maioria das sessões estavam quase vazias.

Ou seja, o número de salas que um filme ocupa não tem relação com a qualidade do filme ou com o interesse do público. Tem a ver com a quantidade de dinheiro que empresas de lobby colocaram naquele filme.

Sou obrigado a ver os filmes?

Outra coisa que fica clara, tanto com a questão da cota de telas para filmes brasileiros quanto nesses casos mencionados antes, é que ninguém é obrigado a ver filmes que não quer.

A diferença é que a cota de tela tenta estabelecer é que, mesmo que o público não queira ver um determinado filme brasileiro (e ele tem total direito de não querer ver), ao menos ele tem o direito de fazer essa escolha por conta própria.

Além disso, a cota de telas, como o próprio nome sugere, é apenas uma cota. Ela não estabelece que os cinemas só exibam filmes brasileiros.

E embora ainda não tenham sido divulgados os números específicos da cota de telas, certamente será menor do que aquela aplicada em outros países. O que nos leva a outra discussão:

Quais outros países têm cota de telas?

A cota de telas não é uma exclusividade do Brasil. Diversos outros países também utilizam algum tipo de legislação que garante a exibição de filmes nacionais, como:

  • China
  • França
  • Coreia do Sul
  • Espanha
  • Colômbia
  • Bolívia

A lista acima demonstra que a cota de telas é utilizada tanto por países com uma indústria audiovisual emergente quanto por aqueles que já têm uma indústria estabelecida.

O caso da Coreia do Sul é bastante sintomático. Em certo momento, a cota de telas para produções nacionais ultrapassou os 50%. Ou seja, havia mais filmes coreanos sendo exibidos nos cinemas do que filmes internacionais.

Com o tempo, as produções sul-coreanas começaram a se tornar tão populares que iniciaram discussões a respeito da extinção total das cotas, sob a justificativa de que o público ia continuar assistindo a conteúdos nacionais de qualquer maneira.

A cota de telas não foi extinta na Coreia do Sul, mas a porcentagem diminuiu. E o cinema sul-coreano está mais popular do que nunca, com filmes como “Parasita” vencendo tanto a Palma de Ouro no Festival de Cannes quanto o Oscar.

Ainda assim, apesar de vários outros países também se utilizarem de leis de proteção de seus filmes, um dos argumentos mais utilizados por quem critica a cota de telas no Brasil é o de que o público brasileiro não tem interesse em ver filmes brasileiros.

E vale a pena se debruçar um pouco sobre isso.

O público brasileiro não quer ver filmes brasileiros?

O gráfico abaixo mostra o número de pessoas que assistiam a filmes brasileiros entre 2009 e 2022.

Gráfico mostrando a média de público nos cinemas na última década

É possível notar que embora a parcela do público fosse significativamente menor do que o público de filmes estrangeiros, ela era quase constante.

Esse público diminuiu com a pandemia e o fechamento das salas de cinema.

Porém, com a reabertura em 2021, houve uma mudança significativa: o público de filmes estrangeiros cresceu exponencialmente, e o público de filmes nacionais diminuiu.

Isso aconteceu porque, antes mesmo do fim do prazo da lei da cota de telas (estabelecida em 2021), ela já vinha sendo enfraquecida.

Para ser colocada em vigor, a lei precisava de uma sanção presidencial a cada ano. E o governo federal não a estava sancionando. Portanto, embora a lei ainda estivesse em vigor, ela não era obrigatória.

Uma vez que não há a obrigação, os cinemas pararam de exibir os filmes. Consequentemente, o público diminuiu, não por falta de interesse, mas por falta de opções.

Aliás, por falar em opções, vale a pena discutirmos outra questão relacionada a este tema:

Há filmes brasileiros para serem exibidos?

O gráfico abaixo mostra o número de filmes lançados por ano. Em comparação, o número de filmes nacionais ainda é menor do que o de filmes estrangeiros, mas a quantidade é bastante significativa, ficando entre 100 e 150 filmes lançados todos os anos.

Por lançamentos, estamos nos referindo a qualquer tipo de exibição, seja em streaming, na TV, ou em horários escassos nas salas de cinema.

Gráfico mostrando a média de filmes lançados na última década

Outro dado importante a ser observado é a mudança que acontece a partir de 2021. Ao contrário do gráfico anterior, que mostrou uma queda, o número de filmes nacionais produzidos e lançados cresceu nesse ano.

O problema é que não havia mais a obrigação de exibí-los, então muitos desses filmes não chegaram ao público.

Conclusão

Em conclusão, a cota de telas é uma legislação que desempenha um papel crucial no cenário cinematográfico nacional.

Ao equilibrar a produção e distribuição de filmes brasileiros, proteger contra práticas predatórias e incentivar a apreciação da cultura nacional, ela fortalece o setor audiovisual do país.

Sem representar uma interferência significativa no mercado, seus benefícios são substanciais, contribuindo para um ambiente mais diversificado e saudável para a indústria do cinema brasileiro.