Cena do filme Espíritos Obscuros

Crítica | Espíritos Obscuros explora o horror da destruição ambiental

Segundo Stephen King, “o valor artístico que o cinema de terror oferece com maior frequência é a sua habilidade de formar uma conexão entre nossas fantasias sobre o medo e nossos verdadeiros medos”. Metafórico e político por natureza, o gênero de terror usa o sobrenatural e o fantástico para falar sobre problemas reais e contemporâneos. Vimos isso se repetir ao longo da história, seja nos filmes de invasão alienígena da década de 1950 (que ilustravam o medo de uma invasão comunista), na abordagem intimista do terror da década de 1970 (reflexo dos conflitos sociais ocorridos naquela época), entre outros.

A ascensão do governo Trump trouxe à superfície temáticas antes submersas, como o racismo inerente à sociedade americana (visto em Candyman), o preconceito contra a população latina (Uma Noite de Crime – A Fronteira) e as disparidades econômico/sociais (Ready or Not). Outra temática evidenciada nos últimos anos foi a questão ambiental. O constante aquecimento global e as mudanças climáticas causadas por ele, têm mostrado seu poder destrutivo. Furacões, queimadas e alagamentos se tornaram comuns no eco-horror em que vivemos.

Cena do filme Espíritos Obscuros

Espíritos Obscuros (Antlers, 2021) toca nessa ferida de maneira muito eficiente. Embora a produção tenha sido lançada somente em 2021, ela foi rodada em 2018, no auge da Era-Trump e do seu desejo de “trazer o carvão de volta”. A apreciação do republicano por fontes poluentes só não era maior do que o seu desprezo por energias renováveis. As consequências da queima do carvão encontram a metáfora perfeita na ameaça sobrenatural nesse filme dirigido por Scott Cooper (Aliança do Crime).

A trama acompanha Julia (Keri Russell), uma mulher assombrada pelos abusos sofridos na juventude. Ela largou a sua vida em Los Angeles e se mudou para a sua cidade natal, onde mora com o irmão, Paul (Jesse Plemons), o xerife da cidade. Os dois têm uma relação alimentada por ressentimentos silenciosos.

Cena do filme Antlers

Julia trabalha como professora de ensino fundamental. Um dos seus alunos é Lucas (Jeremy T. Thomas), um menino quieto que sofre bully constantemente. Mas esse não é o maior dos problemas dele. Lucas é filho de um traficante local que foi atacado por algo sobrenatural e agora se encontra preso dentro de casa. Cabe ao menino alimentá-lo com animais mortos que ele encontra pela estrada. Mas é só uma questão de tempo até o monstro dentro do pai de Lucas se libertar e ameaçar todos à sua volta.

A desolação dos personagens encontra reflexo na ambientação do longa-metragem, cujo cenário cinzento e sombrio é composto por fábricas fechadas e carros abandonados. Tal ambientação pode ser compreendida como uma metáfora para a destruição ocasionada pela queima de combustíveis. E não faltam evidências diegéticas que corroborem com essa afirmação: o monstro do filme, que se encontrava escondido dentro de uma mina de carvão, deixa brasas voando pelo ar por onde ele passa. E aqueles que têm contato com ele emanam uma luz incandescente do peito.

Cena do filme Antlers

Fazendo aqui a sua estreia no gênero de terror, Scott Cooper sabe como segurar a atenção do espectador, revelando a ameaça de maneira crescente. O diretor também está mais interessado em desenvolver os personagens do que em criar sustos fáceis. Embora falhe em alguns momentos (como ao dar demasiada atenção ao alcoolismo da protagonista, somente para esquecer disso em seguida), Cooper sabe como conduzir a narrativa, entregando um final impactante e corajoso, afirmando que no eco-horror contemporâneo, o futuro não é nada promissor.

Atualização (07/03/22) – Fiz um vídeo sobre esse filme. Confira abaixo: