Uma coisa precisa ficar clara desde o início: Toad Road (2012) é um filme estranho e indigesto, e certamente não é para todos os gostos. Dito isso, preciso admitir que essa estranha narrativa conduzida pelo cineasta Jason Banker consegue, de alguma maneira, me fascinar. Este texto é uma tentativa de tentar compreender tal sentimento.
O nome do longa-metragem faz referência à cidade de York, no estado americano da Pensilvânia, uma região repleta de contos envolvendo um antigo manicômio destruído por um incêndio e/ou um médico louco que trabalhava lá. As histórias se diferem em alguns detalhes, mas convergem ao mesmo ponto: a ideia de que aquela região abriga os sete portões do inferno.
Uma das lendas relata que o local onde havia o manicômio guarda o primeiro dos portões do inferno. Outra conta que foi o tal médico louco quem construiu a passagem. Em comum, as lendas falam de um caminho em direção ao sobrenatural. E esse conhecimento básico acerca da cidade é essencial para a apreciação (na falta de uma palavra melhor) de Toad Road.
Vale destacar, porém, que embora essa história seja importante, ela demora a ser desenvolvida. Grande parte da narrativa de Banker se limita a acompanhar a rotina do protagonista James (James Davidson), um sujeito cujos dias se resumem ao consumo excessivo de álcool e drogas, alternados com conversas esporádicas com um psiquiatra e apresentações da sua banda de rock.
Certo dia, James conhece Sara (Sara Anne Jones), uma jovem estudante a quem ele introduz tanto o mundo das drogas quanto as lendas de Toad Road. Sara se vicia em ambos. Eventualmente, ela decide usar as drogas para encontrar os sete portões do inferno e acessar outros planos de existência. Isso, porém, só vai acontecer no último terço do filme.
O diretor cresceu em York e disse que o seu desejo era retratar a vida de uma cidade pequena. Por este motivo, a rotina dos personagens ocupa mais tempo da narrativa do que a trama em si. Tal escolha abre margem para críticas, mas funcionou para mim. Ainda que eu tenha passado a adolescência numa cidade maior do que York, reconheço com uma nostalgia agridoce esse sentimento de tédio que Toad Road me passa.
Apostando em um estilo documental, Banker abusa de câmera na mão e captura a maioria das atuações por meio de improvisos. Até mesmo os conflitos entre os personagens que vemos no filme são reais, e aconteceram de verdade durante as filmagens. O excesso de naturalismo, que chega a ser incômodo, imprime um certo imediatismo à narrativa.
E se aquelas cenas incômodas nas quais os personagens aparecem bêbados e vomitando possivelmente também aconteceram de verdade, não seria surpreendente se as drogas que eles usaram no filme também fossem reais. Não encontrei essa informação em lugar algum, mas essa é a impressão que fica, algo problemático quando descobrimos que a atriz Sara Anne Jones morreu de overdose pouco após o filme ficar pronto.
Mas é curioso perceber como o longa também funciona como uma propaganda antidrogas, algo defendido pelo próprio Banker. “As drogas realmente abrem a porta para outro lugar, e algumas pessoas nunca mais voltam para a mesma realidade. Eu estava interessado no cruzamento entre o uso de drogas, a autodestruição e uma estrada que leva ao inferno.”, afirma o diretor.
Toad Road não fornece respostas fáceis e está aberto a diferentes interpretações. É uma produção que flerta com o terror, mas cujo conteúdo sobrenatural nunca é explorado a fundo. E foi este caráter evasivo que me atraiu. Ao deixar em aberto as possibilidades de interpretação, Banker nos convida a preencher as lacunas com nossa própria experiência e nossa própria vivência.
Pessoalmente, fiquei atraído pelo sentimento de nostalgia e pela experiência compartilhada que o longa-metragem me passou, convidando-me a sentir aquilo que os personagens sentem (por pior que esses sentimentos sejam). Mas esta foi a minha interpretação. E é a isto que me refiro quando digo que não é um filme para todos os gostos, pois temos respostas distintas ao mesmo material.
Portanto, fica aqui o aviso: por mais que exista, ao menos para mim, um elemento de fascinação a respeito dessa obra, este sentimento está envolto em uma concha amarga de desgosto (conforme ficou claro ao longo deste texto). Encare por sua conta e risco.
ATUALIZAÇÃO (22/10): Fiz um vídeo falando sobre esse filme. Confira abaixo:
P.S: Se você gostou do texto e se interessou pelo filme, convido-o a escutar o episódio do Podcast 7 Marte sobre “Filmes de Terror Desconhecidos” no qual eu também falo sobre Toad Road. Clique aqui para acessar o episódio.