Existe um subgênero bastante polêmico dentro do terror chamado de rape and revenge. Criticado pela maneira como explora a violência sexual, esse estilo de filmes muitas vezes é ignorado pelo público que, com razão, não quer ver esse tipo de conteúdo transformado em entretenimento. Recentemente vimos esforços para ressignificar esse gênero, como Vingança (leia a minha crítica aqui), M.F.A. (sobre o qual eu falei nesse episódio do Podcast 7 Marte) e Doce Vingança, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original desse ano.
O processo de ressignificação, porém, é mais antigo. Em seu livro Rape-Revenge Films: A Critical Study, a autora Alexandra Heller-Nicholas estuda diferentes obras inscritas dentro do subgênero, separando o joio do trigo. Heller-Nicholas não esconde que muitos desses longas-metragens se apoiam na violência sexual contra a mulher como uma forma doentia de entretenimento, mas defende que não é só isso que o subgênero tem a oferecer. E Sedução e Vingança (Ms .45, 1981) é um dos títulos destacados por ela como tendo “algo a mais”.
Escrito por Nicholas St. John (roteirista de Os Chefões), o roteiro acompanha Thana (Zoë Lund), uma jovem costureira muda que é estuprada por um homem na rua enquanto voltava do trabalho. E como se não fosse suficiente, ao chegar em casa ela se depara com um assaltante e é estuprada de novo. Desta vez, porém, ela consegue reagir. Ela mata-o e ainda fica com a arma dele, a tal 45 do título original. Esses três eventos traumáticos causam uma ruptura na psique da protagonista, fazendo-a encarar o mundo de outra maneira.
Em um primeiro momento, o trauma toma conta. Ela não consegue trabalhar e se sente acuada quando os colegas demonstram preocupação com ela. Depois, a racionalidade toma conta. Percebendo a necessidade de se livrar do corpo, ela fatia o cadáver em vários pedaços e começa a espalhá-los pela cidade, envoltos em sacos de lixo – as partes não descartadas ficam guardadas na geladeira. O ato de se livrar das evidências poderia ser interpretado com uma tentativa de seguir em frente com a sua vida, mas o que acontece em seguida aponta a trama para outra direção.
Assim como acontece em Desejo de Matar, a protagonista inicia uma vingança generalizada contra qualquer pessoa que ela julgue “merecedora” de punição. Isso inclui, mas não se limita, a homens que ficam incomodando mulheres na rua, homens infiéis e, eventualmente, homens de modo geral. E semelhante a Charles Bronson, ela inicia a sua vingança de forma truncada e acidental, mas logo pega gosto pela coisa, e começa a aperfeiçoar as suas técnicas, usando, inclusive, a sedução a seu favor.
O diretor Abel Ferrara (de Os Chefões e Vício Frenético) adota um estilo quase documental, um refugo da cinematografia popularizada na década anterior. Seu filme é urbano, é um retrato de uma sociedade em decadência. As ruas sujas refletem a personalidade dos habitantes daquele mundo. Mas não se trata de um mero maniqueísmo, uma luta do bem contra o mal. Existe uma ambiguidade que atravessa toda a narrativa.
Essa ambiguidade é melhor exemplificada na roupa que Thana usa durante o clímax. Misturando castidade e luxúria, ela aparece em uma festa com uma fantasia de freira cobrindo um lingerie sensual. E como se isso não fosse simbólico o suficiente, ela prende a sua arma no meio das pernas – aliás, em outro momento, uma mulher empunha uma faca também entre as pernas, numa clara alusão fálica.
Então, sim, Sedução e Vingança faz parte do subgênero rape and revenge. Mas, conforme foi dito no início, o filme não se reduz à exploração sexual comumente associada a estas produções. Em meio a discussões sobre trauma e violência social, passando por um uso muito inteligente de metáforas e propondo um profundo estudo de personagens, existe mesmo, “algo a mais” aqui.