Existe uma hierarquia nas ações apresentadas no título de Vá e Veja (Idi i smotri, 1985), filme seminal sobre a invasão nazista à Bielorrússia. O chamado à ação precede a observação. E a vontade de agir também move o jovem protagonista Flyora Gayshun (Aleksey Kravchenko). Quando o conhecemos, ele está vasculhando a areia em busca de um rifle antigo, pré-requisito para seu alistamento.
Flyora ignora os questionamentos da mãe. Para ele, não é preciso uma explicação ou uma razão específica para se juntar ao conflito. É assim que as coisas são. É o que se espera dele. É o que ele espera de si mesmo. A guerra já está enraizada naquela realidade. Crianças, jovens e velhos, todos só pensam na guerra e a reencenam como brincadeira.
Após encontrar um rifle, Flyora é levado pelos soldados para o meio da floresta sem olhar para trás. Mas logo a vontade de ir é sobreposta pela necessidade – e o dever – de ver. Quando chega ao acampamento, Flyora é obrigado a observar. Colocado na posição guarda noturno, ele vê alguma movimentação durante a noite, mas não age como deveria. Sua falta de ação tem consequências.
Flyora é deixado para trás, sob a justificativa de proteger o acampamento enquanto as tropas avançam. Mais uma vez ele só pode olhar, enquanto os outros foram. Da sua posição, ele observa a ameaça se aproximando, sem que suas ações tenham qualquer efeito para combate-la. Ele é levado de um lado para outro, sem controle do seu destino.
Ao longo da sua jornada, ele – e o público – vislumbra a destruição causada pelo conflito. Corpos são empilhados e casas são queimadas. Relações fugazes logo são desfeitas, seja pela explosão de uma mina terrestre ou pelo ataque surpresa do inimigo. Soldados, civis, camponeses e animais, todos pagam o preço da destruição observada por Flyora.
O diretor Elem Klimov (A Despedida) dá destaque à primazia do olhar do protagonista. Sua câmera se aproxima do rosto de Kravchenko, que parece envelhecer diante dos nossos olhos. E a razão de aspecto reduzida nos impede de fugirmos deste olhar que nos encara o tempo todo.
Até quando o personagem é incapacitado de ver, quando seus olhos estão distantes, seus outros sentidos reforçam a desesperança desta obra. E o som consegue ser ainda mais impactante. Os gritos de pessoas queimando aos poucos são silenciados, à medida que a vida se esvai dos seus corpos como a fumaça escapando das janelas de um celeiro em chamas.
Não existe poesia em Vá e Veja. Não há, como alguns futuristas tentaram argumentar, qualquer tipo de beleza na arquitetura da destruição. Existe é uma motivação clara: cortar o mal pela raiz, para impedir a repetição da história. Porém, por mais nobres que sejam os motivos para enfrentar o nazismo, eles cobram um preço muito alto. E Flyora Gayshun vê tudo bem de perto.