Em 2016, o cineasta Ken Loach foi consagrado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes (a segunda da sua carreira) pelo excelente filme Eu, Daniel Blake, uma obra sobre a batalha travada entre um cidadão comum e um sistema predatório.
Em seu mais recente longa-metragem, Você Não Estava Aqui (Sorry We Missed You, 2019), o diretor expandiu os assuntos abordados antes, mostrando como a recente “uberização” do trabalho causa a autofagia do funcionário, iludido pela falácia de “ser o seu próprio patrão”.
Escrito por Paul Laverty (parceiro constante de Loach), o roteiro acompanha Ricky (Kris Hitchen), um sujeito desempregado que aceita trabalhar para uma empresa de entregas, na esperança de sair das dívidas e se estabilizar financeiramente.
Mas “ser o seu próprio patrão” tem um custo. E para realizar o seu ofício, Ricky precisa fazer um investimento inicial: ele convence a esposa, Abbie (Debbie Honeywood), a vender seu carro para comprar a van necessária para fazer as entregas.
O novo emprego do patriarca causa uma reformulação na rotina da família. Agora, a enfermeira Abbie precisa pegar o ônibus para trabalhar. Sua jornada tem um aumento considerável de horas, sem qualquer reajuste de salário.
Ricky, por sua vez, encara viagens longas, exaustivas e desumanas, para poder entregar a maior quantidade de pacotes em tempo hábil. Não há tempo para pausas para ir ao banheiro, por exemplo. Por isso ele deve sempre carregar uma garrafa vazia.
E uma vez que recebe os pacotes direcionados à sua rota, Ricky se torna o único responsável por eles, precisando arcar com quaisquer despesas decorrentes de extravios ou roubos.
Além de tudo isso, o seu emprego passa a germinar problemas dentro de casa. Nem Ricky e nem Abbie conseguem passar tempo com os seus filhos. E estes, por sua vez, reagem de maneiras diferentes.
Enquanto a pequena Liza Jae (Katie Proctor) se esforça para assumir responsabilidades em casa, o jovem Seb (Rhys Stone) extrapola a sua rebeldia, fazendo grafites em locais proibidos e matando a aula com frequência.
E aí reside o maior problema do filme.
É impossível se identificar com as atitudes de Seb. Toda a subjetividade da situação é contaminada por uma atuação caricata e um fraco desenvolvimento de personagem, tornando-o apenas um adolescente aborrecido.
Mas a falta de sutileza não se resume apenas a Seb. Toda a família passa por situações que martelam a mesma ideia de uma luta incansável e impossível contra o sistema. O que lhes falta, porém, é o carisma de Dave Johns, protagonista de Eu, Daniel Blake.
Apostando em uma paleta de cores frias, removendo assim qualquer traço de vitalidade daquela situação, Ken Loach mantém o seu pessimismo em relação à humanidade. Dentro da realidade criada por ele, não há lugar para uma revolução, apenas submissão.
Ou seja, o sacrifício de Daniel Blake parece não ter servido para nada.