Em uma entrevista disponível nos extras do DVD de Invocação do Mal, o cineasta James Wan conta que quando recebeu o roteiro do filme, escrito pelos irmãos Chad e Carey W. Hayes (Exorcismos e Demônios), o texto vinha repleto de cenas de sustos, com poucos intervalos para o desenvolvimento dos personagens.
Na ocasião, os roteiristas justificaram sua escolha dizendo que, por se tratar de uma obra de terror, os sustos eram fundamentais. Wan contrapôs esse argumento, explicando a necessidade de construir a tensão que culminaria nos sustos. A visão do experiente diretor prevaleceu e, no final, o resultado foi extremamente bem-sucedido.
Esta anedota comprova a necessidade de ter alguém que entenda do gênero na realização de um filme de terror. Infelizmente, este não é o caso de Os Órfãos, nova adaptação do romance A Volta do Parafuso, de Henry James, roteirizada pelos irmãos Hayes e dirigida por Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock).
A trama acompanha a professora Kate (Mackenzie Davis), recém-contratada como tutora de Flora (Brooklynn Prince), uma pequena órfã que vive em uma mansão isolada. Pouco tempo depois, o irmão mais velho dela, Miles (Finn Wolfhard), chega em casa e logo passa a questionar a autoridade da professora.
Kate também não encontra auxílio na governanta Mrs. Grose (Barbara Marten), descontente com a sua presença naquela casa. E, para completar, estranhas aparições e vultos começam a assustá-la, fazendo-a questionar a sua própria sanidade.
O livro de Henry James já foi adaptado inúmeras vezes. Sua versão mais conhecida é o Os Inocentes (1961), escrita por Truman Capote. Naquele caso, o roteirista explorou a tensão sexual da sua protagonista, antecedendo um diálogo histórico com a revolução sexual ocorrida nos anos seguintes. Tudo isso se perde nessa nova adaptação.
Os roteiristas utilizam apenas um fiapo da trama do livro, criando uma narrativa que não sabe para onde caminha e culmina em lugar algum. O texto sem pé nem cabeça aposta em situações inverossímeis e inexplicáveis, apoiando-se em soluções canhestras que em nada influenciam na narrativa.
A ideia de ambientar o filme na década de 1990, por exemplo, não tem qualquer importância. A única justificativa para tal escolha é a necessidade de afastar os personagens de tecnologias modernas. Porém, isso se mostra uma alternativa preguiçosa e uma oportunidade desperdiçada, por não dialogar com a época aqui retratada.
É visível também a inexperiência de Floria Sigismondi com o gênero. A diretora aposta em uma sucessão de (tentativas de) sustos que, apresentados em sequência e sem qualquer respiro, acaba anestesiando o público. Da mesma maneira, sua falta de preocupação com o desenvolvimento dos seus personagens causa antipatia.
Se por um lado a cineasta retrata Miles como um jovem rico e aborrecido, sua tentativa de estabelecer uma relação matriarcal entre Kate e Flora é igualmente problemática, pois o filme não parece se importar muito com as ramificações desta relação. Seu interesse maior é em tentar nos surpreender com uma reviravolta que sequer faz sentido para história.
Aliás, essa reviravolta no terceiro ato foi determinante para o longa-metragem a receber a classificação “F” (a pior possível) entre a análise do público americano. E, de fato, o final de Os Órfãos é terrível, mas é apenas um dos seus problemas, e certamente não é o único.