Você já ouviu falar do mangá Uzumaki? Já leu? Sabia que existe um filme baseado nesse mangá?
Uzumaki, ou A Espiral do Horror, é um mangá escrito e desenhado por Junji Ito. Lançado originalmente entre 1998 e 1999 no Japão, a história foi republicada no Brasil recentemente numa edição única lançada pela editora Devir.
Já a adaptação cinematográfica tem direção de Higuchinsky e foi lançada em 2000. Curiosamente, o filme Uzumaki foi produzido antes do final do lançamento do mangá, o que fez com que seu final fosse completamente diferente dos quadrinhos.
Caso você não conheça essa história bem maluca, não tenha visto o filme e nem lido a história em quadrinhos, este post vai te ajudar. Ao longo deste texto, eu vou:
- analisar as duas mídias, a história em quadrinhos e o filme.
- falar sobre as sobre as suas semelhanças e as suas diferenças.
- explicar um pouco do processo de adaptação, sobre o que é importante manter e o que pode ficar de fora.
- falar também sobre a ideia equivocada de fidelidade.
- definir qual, na minha opinião, é o melhor, o mangá ou o filme.
Ao final do post, eu espero que você tenha se sinta mais bem informado a respeito dessas duas obras.
E, caso fique interessado pelo mangá, tenho uma boa notícia para compartilhar com você no final do texto.
Vamos lá então!
Crítica: Uzumaki (Mangá) – Junji Ito
Escrito e desenhado por Junjji Ito, um dos grandes mestres do mangá de horror, Uzumaki é uma história estranha e assustadora.
A trama se passa em uma pequena cidade litorânea do Japão e acompanha a jovem Kirie Goshima que, ao lado do seu namorado Shuichi Saito, se depara com uma estranha ameaça ocorrendo na sua comunidade.
Não se trata de uma doença, mas algo muito mais epidêmico. A pequena comunidade de Kurôzu-cho é assombrada por uma forma espiral.
Aos poucos acompanhamos os personagens sucumbindo a este estranho fenômeno que se manifesta inicialmente de maneira simples, em imagens de caracóis ou na obsessão de algumas pessoas com essas formas.
Aos poucos, porém, estas formas tornam-se cada vez mais frequentes e cada vez mais perigosas.
Entendendo esse perigo, alguns dos cidadãos passam a temer as formas espirais, buscando alternativas muitas vezes violentas para se livrar das espirais – mesmo aquelas localizadas dentro do seu próprio corpo.
A narrativa de Uzumaki
Junji Ito desenvolve a sua narrativa de maneira lenta ao longo de mais de 600 páginas. Assim como numa espiral, alguns dos capítulos se afastam do centro da sua história, parecendo soltos em meio narrativa.
Confesso que tive um pouco de dificuldade de me relacionar com os diversos personagens que estão inseridos na trama apenas para serem novas vítimas da espiral – como a menina com a marca na testa.
Ainda assim, é visível a intenção do autor em usar essas histórias paralelas como forma de mostrar que a ameaça está se alastrando por toda a comunidade.
Com o avanço da história, o círculo vai se fechando e acompanhamos a trama ganhando proporções gigantescas.
O número de personagens diminui e, assim como as casas que são construídas pelos personagens, tudo parece ter uma ligação maior.
Quanto mais próximos estamos do centro da espiral, mais clara fica a intenção do autor.
A arte de Junji Ito
Talvez a melhor definição para o seu estilo seja aquela dada por Artur Coelho no primeiro posfácio desta edição.
Em seu texto, Coelho define os desenhos de Ito como “uma colisão alucinógena entre Marx Ernst e Salvador Dali”.
Dono de um traço limpo, Ito tem talento natural para misturar o belo e o grotesco, algo que eu já havia observado em outro mangá seu lançado no Brasil, Fragmentos do Horror (escrevi sobre este meu primeiro contato com o autor aqui).
Ele também é hábil ao demonstrar a proporção gigantesca tomada por aquela ameaça. Seus desenhos cheios de detalhes – e cheios de espirais – destacam o perigo constante enfrentado pela comunidade.
Os significados de Uzumaki
Por se tratar de uma narrativa mais longa que Fragmentos do Horror (que era formado por contos curtos), Ito tem mais liberdade para desenvolver melhor seus personagens e o subtexto da trama.
Volto a me referir ao posfácio desta edição, desta vez aquele escrito por Masuro Sato, que enriqueceu muito a minha percepção desta história.
Em seu artigo, Sato relaciona a ameaça e as consequências da espiral com ameaça e as consequências do capitalismo, trazendo toda uma nova camada de interpretações para a obra.
Uzumaki (mangá) é bom?
Uzumaki não é mangá fácil. É pesado e violento – em certo momento, alguns personagens recorrem ao canibalismo como forma de sobrevivência.
Porém, é uma narrativa intrigante e instigante, que avalia a natureza humana e a condena pelos seus pecados.
Ito não está interessado em criar heróis. Seu interesse é explorar a maneira como o cidadão comum reage a uma situação extrema. E essa maneira muitas vezes é um tanto indigesta.
Mas Uzumaki é, sim, uma ótima história em quadrinhos.
Uma vez definido isso, passemos então para a nossa análise do filme.
Crítica: Uzumaki (Filme) – Direção: Higuchinsky
Confesso que estava bastante curioso para ver como seria feita essa transição para o cinema, visto que a obra original era algo de difícil adaptação.
Fiquei interessado em saber que elementos novos seriam trazidos, quais se manteriam e quais seriam deixados de lado.
Imaginem, portanto, a minha surpresa ao perceber que o cineasta Higuchinsky não apenas perdeu o tom daquela história, como transformou-a em algo genérico e num filme muito ruim.
Problemas no roteiro
A história é basicamente a mesma. Uma cidade litorânea e afastada passa a ser ameaçada por uma forma em espiral.
Mas a necessidade de condensar mais de 600 páginas em um filme de uma hora e meia fez com que os roteiristas cortassem caminhos importantes.
Com isso, a história ficou confusa, pois os personagens e a situação em que se encontram não foram propriamente desenvolvidos.
Percebe-se a vontade dos realizadores em tentar inserir o máximo de referências do mangá. Existem algumas menções a personagens importantes na história em quadrinhos, mas nada é desenvolvido.
E estas pinceladas em situações importantes só deixam o espectador mais confuso. Pior ainda é perceber como o roteiro insere personagens e situações, somente para esquecê-los em seguida.
É o caso, por exemplo, da equipe de jornalistas que chega à cidade em certo momento ou da notícia de um furacão que está se aproximando daquele local.
Terror ou comédia?
Mas talvez o maior problema do filme seja que ele não consegue encontrar o tom certo da sua narrativa.
Em alguns momentos, Uzumaki tenta ser um legítimo filme de terror: existem cenas assustadoras, grotescas e violentas. Em outros momentos, porém, ele pende mais para a comédia involuntária.
A maneira como as imagens são mostradas – com a câmera colada nos rostos inexpressivos dos atores – sugere a intenção do diretor em transformar aquilo uma paródia.
Além do mais, mesmo tendo uma infinidade de materiais nos quais poderia se basear, o diretor Higuchinsky se mostra incapaz de criar qualquer impacto com as suas imagens.
Uzumaki (filme) é uma boa adaptação?
Uma adaptação não precisa e não deve ser fiel à obra original. Este conceito de fidelidade é uma ilusão e não deve ser o objetivo de um cineasta.
Afinal, se o público deseja ver a mesma obra, deve ir atrás do material original. Uma vez que se vai ao cinema é porque se está buscando algo diferente.
Desta forma, o defeito de Uzumaki não é o de não ser fiel ao material original (o filme foi rodado antes do final da publicação, então não havia como saber como a história em quadrinhos terminaria).
O defeito de Uzumaki é não ter conseguido captar a essência daquele material e ter falhado ao transpor para outra mídia. Esse é o papel de uma boa adaptação. E isso certamente não acontece aqui.
Saiba onde comprar o mangá Uzumaki
Bom, se você chegou até aqui, acredito que tenha se interessado pelo mangá Uzumaki.
Então eu tenho uma boa notícia para você! Separei o link para a compra do mangá na Amazon. Caso tenha interesse em adquiri-lo, basta clicar aqui para acessar o site.
A princípio, o preço pode parecer um pouco salgado, mas lembre-se que são mais de 600 páginas de um ótimo material.
E esta edição da Devir está bastante caprichada. Além de trazer a história completa, há ainda um capítulo extra, dois textos de apoio (que usei como base para o meu próprio texto) e uma biografia do autor.
Por fim, faço também um convite. Se ainda vai ler o material ou se já leu, não esqueça de deixar a sua opinião nos comentários abaixo. Quero saber a sua opinião.