Crítica | Um Time Show de Bola

É no mínimo curioso ver o nome do cineasta argentino Juan José Campanella no comando de uma animação. Dono de uma filmografia curta, mas excelente, o diretor se estabeleceu como um ótimo contador de histórias em filmes como O Mesmo Amor, A Mesma Chuva, O Filho da Noiva e Clube da Lua, além de ter demonstrado um apuro técnico impressionante em O Segredo dos Seus Olhos.

Sendo assim, é interessante pensar nas possibilidades narrativas que alguém com o talento de Campanella poderia explorar no campo da animação, uma área onde (de certa maneira) não existem limites. É uma pena, porém, que em Um Time Show de Bola, sua primeira experiência com o gênero, o diretor se preocupe tanto com a parte técnica e deixe de lado uma área que até então nunca havia apresentado problemas antes: o roteiro.

Iniciando a projeção com uma divertida referência a 2001 – Uma Odisseia no Espaço, o longa (escrito pelo próprio Campanella, ao lado de Gastón Gorali e Eduardo Sacheri, com base num conto de Roberto Fontanarrosa) acompanha Amadeo, um garoto tímido e solitário (aparentemente órfão, apesar disso nunca ficar claro) que encontra companhia na mesa de pebolim do bar onde ele trabalha. Certo dia, o garoto é desafiado para uma partida pelo mimado Grosso, e quando Amadeo vence o jogo, Grosso sai da cidade humilhado. Anos mais tarde ele volta (agora um famoso jogador de futebol) e deseja se vingar da cidade responsável pela única derrota da sua carreira. Quando destrói o bar onde Amadeu trabalha, os bonecos do pebolim ganham vida para auxiliar o jovem a salvar sua cidade.

Como era de se esperar, tecnicamente Campanella se saí muito bem na animação. Sua concepção visual/narrativa encontra um timing perfeito nesse novo formato, onde o diretor se sente a vontade para criar cenas que seriam impossíveis (ou pelo menos bem difíceis) de serem feitas em live action (como os planos-sequência em que a câmera passa entre os jogadores do pebolim, ou a explosão na casa de Grosso). Além disso, o design de produção também merece destaque pela sua atenção aos detalhes, como nas marcas de ferrugem e na tinta descascada nos bonecos.

Não só isso, mas o roteiro de Campanella ainda insere uma crítica descarada em relação à fama dos jogadores de futebol, ao mostrar o personagem de Grosso como alguém egocêntrico (e burro) ao ponto de mandar construir diversas réplicas de esculturas famosas (como o Discóbolo e o Atlas de Farnese) sem sequer conhecer a origem do material, e ganancioso o suficiente para afirmar que não dá 10 passos sem o apoio de um patrocinador.

Porém, todas essas qualidades mencionadas anteriormente acabam não importando muito, uma vez que o roteiro do filme apresenta equívocos grosseiros. A falta de coerência do texto aparece às vezes em menor escala (os bonecos do pebolim são recolhidos do lixão em uma cena e em seguida já estão sendo usados como atração em um parque), e em outros momentos de maneira quase imperdoável, como quando fica evidente que o fato dos bonecos terem ganhado vida em nada interfere no decorrer da trama, uma vez que essa teria o mesmo resultado sem a ajuda deles. Essa escolha narrativa sacrifica tudo o que foi visto até então, pois (dentro da proposta inicial) isso transforma o extraordinário fato de seres inanimados ganharem vida em algo banal e desnecessário para a resolução ou mesmo para o desenvolvimento da história.

Ao final, apesar de visualmente interessante, Um Time Show de Bola entra para aquele filão de animações bonitinhas, mas problemáticas e esquecíveis, representando assim o primeiro furo na filmografia exemplar de Campanella. Tomara que com isso ele volte a fazer filmes em live action ao lado de Ricardo Darín, já que esse sim é um time infalível.

(Metegol / Animação / Argentina / 2013 / 106 min.)
Direção: Juan José Campanella
Roteiro: Juan José Campanella, Gastón Gorali e Eduardo Sacheri
Elenco: (com vozes de) David Masajnik, Lucía Maciel, Diego Ramos, Juan José Campanella, Pablo Rago, Fabián Gianola, Horacio Fontova, Coco Sily.