Crítica | Depois da Terra

O cineasta M. Night Shyamalan costuma trabalhar com diferentes gêneros (terror, suspense, drama), mas repetindo quase sempre as mesmas temáticas (religião, medo, relações familiares). Em Depois da Terra, seu mais recente trabalho, ele faz exatamente isso: aborda um subgênero até então pouco explorado na sua filmografia, a ficção-científica espacial, mas sem abandonar o tema familiar da narrativa. E o resultado, como era de se esperar, não apresenta nada de original, o que não necessariamente deve ser visto como um problema.
O tema repetido dessa vez é o medo, algo que já havia sido (melhor) trabalhado no ótimo A Vila (2004). Na trama, escrita pelo próprio diretor em parceria com Gary Whitta (O Livro de Eli), a humanidade abandonou há muitos anos a Terra. No seu novo planeta natal, os humanos enfrentam a ameaça das “Ursas”, uma raça alienígena capaz de “farejar o medo”. Para combatê-los, o exército treina os soldados para serem “fantasmas”, pessoas incapazes de sentir medo e que, com isso, se tornam invisíveis ao inimigo. O melhor e mais respeitado “fantasma” é o coronel Cypher Raige (Will Smith), totalmente incapaz de sentir medo. Seu filho, Kitai (Jaden Smith), tenta a todo custo, e sem muito sucesso, seguir a profissão do pai. Quando a nave que levava os dois sofre um acidente, pai e filho se veem isolados no então selvagem planeta Terra. Para piorar, a Ursa que a nave levava para treinamento sobreviveu à queda, e agora está à solta.
Bastante literal na temática de controle do medo, o longa já foi apontado por muitos como “cientológico” demais. A explicação dada é que a maneira como esse conceito é apresentado em muito se assemelha aos ensinamentos da religião de Tom Cruise. Sinceramente, desconheço tais ensinamentos porque nunca tive muito interesse pela religião em questão. Mas o que posso afirmar é que, como tema, o medo esteve sempre presente na filmografia de Shyamalan, assim como o conceito de religião. Não me incomoda a temática ou o jeito como ela é mostrada, pois acredito que o filme tenha problemas bem maiores do que esse. É o caso do uso dos flashbacks, por exemplo. Ainda que as lembranças de Kitai tenham um sentido narrativo claro (são a ilustração do medo do personagem), os flashbacks de Cypher não tem sentido algum (e não levam a lugar nenhum), soando apenas como uma tentativa fracassada de emocionar.
Mas o grande defeito de Depois da Terra é a enorme suspensão de descrença que o diretor exige do seu público. Shyamalan pede que acreditemos que, numa colisão que matou toda a tripulação da nave, só sobreviveram o jovem Kitai e seu pai, sendo que esse último nem estava usando o cinto de segurança no momento da queda. Além disso, num planeta aparentemente selvagem, também confiaremos  na ideia de que o protagonista se deparará exatamente com a única criatura que demonstra afeição pela raça humana (raça essa que ela não conhece e que normalmente encararia como um predador). E quando jovem cadete não consegue enviar um sinal de socorro devido a interferência causada por um vulcão em erupção, a solução encontrada pelo roteiro é fazê-lo escalar o vulcão (onde, teoricamente, a interferência seria muito maior) para conseguir um sinal melhor. E nós temos que pensar que isso vai funcionar.
Trazendo o nome de Will Smith nos créditos como produtor e autor do argumento, o longa se mostra limitado devido a uma aparente exigência do astro de que seu filho fosse o protagonista (relegando ao Smith pai o papel de coadjuvante, algo que ele normalmente não aceita). Não demonstrando nem um pingo do carisma ou do talento do pai, Jaden Smith poderia facilmente arruinar por não conseguir atingir a dramaticidade que esse papel pede. Isso só não acontece porque Shyamalan é conhecido por ser um excelente diretor de atores, principalmente dos mais jovens. Mesmo pecando em certos momentos (a primeira cena de Jaden é terrível), em geral a atuação do pequeno Smith não compromete – ele pelo menos sabe expressar bem o medo, sentimento mais importante aqui.
Hábil ao construir um ambiente inóspito e ainda assim ameaçador, o cineasta indiano merece destaque também pela maneira como ele trabalha a ação. Como já é de costume, Shyamalan opta por investir mais no desenvolvimento dos personagens (o que não deixa de ser uma decisão corajosa, tendo em vista seus fracassos recentes), fazendo com que as cenas de ação sejam um elemento narrativo complementar – como quando Kitai pula do penhasco para mostrar para o pai que não tem medo; ou no clímax, onde tem que provar isso pra si mesmo.
Por mais que não seja não seja o melhor trabalho de M. Night Shyamalan (meu preferido é Sinais), Depois da Terra tem sim suas qualidades – qualidades essas que se acentuam ainda mais quando comparadas aos irregulares Fim dos Tempos e O Último Mestre do Ar. O longa pode ser visto de duas maneiras: simplesmente como um bom filme de ficção científica/ação; ou como uma possível retomada na carreira do cineasta responsável por O Sexto Sentido e Corpo Fechado. Quero muito acreditar nessa segunda opção.
(After Earth – Ação / Ficção científica – EUA – 2013 – 100 min.)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan e Gary Whitta
Elenco: Jaden Smith, Will Smith, Sophie Okonedo, Zoë Kravitz, Glenn Morshower, Sacha Dhawan, Jaden Martin