Crítica | A Viagem

É compreensível, e até justificável de certa maneira, que A Viagem (Cloud Atlas), novo longa dos irmãos Wachowski (Matrix), em parceria com Tom Tykwer (Triângulo Amoroso), esteja dividindo opiniões. Afinal, tratar de histórias simultâneas é quase sempre uma tarefa ingrata, uma vez que as idas e vindas no tempo e o pouco espaço em tela para todos os personagens dificulta que o público se identifique e se preocupe com eles. Da mesma maneira, a decisão dos cineastas de realizar uma narrativa bastante complexa dando uma dimensão épica à pequenos atos pode ser vista como controversa por muitos (o que talvez explique o fato do filme ser eleito o pior de 2012 pela revista Time). De fato é preciso de um pouco de descrença ao embarcar nessa “viagem” proposta pelos diretores, mas isso não significa que a jornada não seja proveitosa.

Misturando diversos gêneros cinematográficos, o roteiro, escrito pelo trio com base no livro de David Mitchell, apresenta histórias paralelas separadas pelo tempo e estreladas pelos mesmos atores interpretando diferentes papéis. A trama épica acompanha um advogado em uma viagem de volta à sua terra depois da conclusão de um negócio para seu sogro; o drama de época mostra um jovem que se une a um antigo talento da música para aflorar assim seu próprio talento musical; o thiller policial apresenta uma jornalista que se depara com uma possível conspiração; a comédia contemporânea segue um velho editor literário com problemas com financeiros; na ficção-científica, um clone desenvolvido para ser apenas servir começa a pensar (e sentir) por conta própria; e, finalmente, em um futuro pós-apocalíptico, um simples pastor de uma vila remota recebe a visita de uma habitante de outra parte do mundo, cujos reais motivos da visita são um mistério.

Procurando fazer pequenas ligações entre as subtramas utilizando narrações ou elementos de cena (um diário, uma carta, um sonho ou uma marca de nascença) como forma de não se perderem na narrativa, o trio ainda insere, durante toda a projeção, indícios quase metalinguísticos, onde os personagens mencionam a própria estrutura do filme – como o escritor dizendo para ter paciência com essa ideia de “flashback e flashforward” ou outro falando sobre essa “coisa de passado e futuro”, em certo momento. Além disso, as discussões filosóficas, comuns à filmografia dos cineastas, também se fazem presentes através de diálogos sobre amor, destino e morte – essa último, definido em certo momento como “apenas uma porta”, numa explicação ao mesmo tempo simplista e eficiente. Porém, o principal tema de A Viagem são as mudanças. Seja as maiores mudanças ou até as mais pequenas. Como “pequenas gotas em um imenso oceano”, cada conto cumpre o seu papel, mostrando os eventos que levaram aquelas pessoas a tomarem decisões que de alguma forma mudaram “a ordem natural das coisas”.

De certa maneira, o filme pode ser definido como intimista, apesar da sua abordagem grandiosa. Afinal, ainda que conte com diversos efeitos especiais e um design de produção caprichado – destaque para a futurista Nova Seul, concebida como uma cidade que cresce pra cima –, o foco em nenhum momento deixa de ser os personagens e suas histórias. O problema é algumas dessas histórias são muito mais interessantes do que demais, o que faz com que mudanças abruptas entre uma – em que duas pessoas escalam uma montanha rumo ao desconhecido (minha preferida) – e outra – onde um grupo de velhinhos precisa escapar do asilo onde vivem – acabe prejudicando a narrativa e desviando a atenção do espectador. Da mesma maneira, a ideia de utilizar os mesmos atores em diversos papéis também não funciona tão bem, já que a maquiagem em alguns casos (principalmente quando tentam transformar alguém ocidental em oriental, ou vice e versa) causa muito estranhamento.

Além disso, o roteiro às vezes se alonga mais do que deveria, o resulta em uma duração excessiva (e cansativa). Afinal, para que serve (por exemplo) a cena da festa de lançamento do livro? Por mais que esteja inserida dentro da trajetória do seu respectivo protagonista, ela se torna desnecessária quando constatamos que só serve para mostrar o personagem de Jim Broadbent como alguém com diversos problemas, inclusive financeiros – algo que fica óbvio em seguida. Ainda assim, considerando a complexidade da proposta do trio de diretores, é possível dizer que, apesar dos problemas mencionados, A Viagem é bem sucedido em sua realização e consegue entregar um resultado positivo, o que não deixa de ser surpreendente.

(Cloud Atlas – Alemanha/EUA/Hong Kong/Singapura – Drama – 2012)
Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski, Tom Tykwer
Roteiro: Andy Wachowski, Lana Wachowski, Tom Tykwer
Elenco: Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving, Jim Sturgess, Doona Bae, Ben Whishaw, Keith David, James D’Arcy.