Crítica – Na Estrada

Logo no início da projeção, quando o protagonista Sal Paradise (Sam
Riley) pega carona em uma estrada deserta, ele é questionado se está indo para
algum lugar ou “só indo”. A resposta é, obviamente, a segunda opção. E essa é a
essência primordial dos road movies.
São filmes sobre viagens sem objetivo, onde o destino é espiritual e não
geográfico. E esses filmes ganharam recentemente mais um ótimo exemplar com essa
aguardada – e antes considerada impossível – adaptação de On The Road, clássico da geração beat escrito por Jack Kerouac.
Sob o comando do brasileiro Walter Salles – familiarizado com o gênero,
vide os ótimos Central do Brasil e Diários de MotocicletaNa Estrada narra as viagens de Sal e
seu amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund) – juntamente com a esposa dele, Marylou
(Kristen Stewart) – pelas rodovias americanas da metade século XX. Em busca de
vivências que podem lhe ajudar a escrever seu tão esperado primeiro livro, o
alter ego do próprio Kerouac vê em Dean uma fonte inesgotável de experiências.
Não é pra menos, já que se trata de uma figura realmente fascinante. Com
a voz rouca e imponente e um visual à lá James Dean – outro ícone da rebeldia
que dividia a paixão pela velocidade –, essa versão jovem de Neal Cassady se
torna uma espécie de musa inspiradora na vida do protagonista. Tanto é que o
próprio ritmo do longa – antes frenético – muda quando ele não está por perto,
ilustrando, de maneira eficaz, como o personagem enxerga a rotina de maneira
tediosa.
Esse ritmo, inclusive, é uma alusão à própria escrita de Kerouac, que –
conforme é mostrado na tela – redigiu todo o livro de forma contínua, sem
interrupções. E nessa escolha de se manter fiel ao espírito do material
adaptado, alguns coadjuvantes – como o ótimo “Old Bull” de Viggo Mortensen (inspirado no escritor William S.
Burroughs) – acabam sendo mal desenvolvidos, de maneira a dar mais espaço para
a dupla principal. O que não chega a ser um equívoco, afinal a relação dos dois
é o combustível que mantém a narrativa seguindo em frente.
E o filme faz questão, inclusive, de apresentar uma conotação sexual nessa
relação. Além de vários planos fechados, que enquadram os rostos dos dois
próximos um do outro, é possível notar um sentimento de ciúmes por parte de Sal
quando Dean toma uma decisão questionável (na cena do hotel). Não só isso, mas o
diretor ainda reforça essa ideia ao criar uma sequencia genial, em que um
personagem está no quarto fazendo sexo com uma garota enquanto o outro está na
sala dançando, e os movimentos dos dois são sincronizados de maneira a dar a
impressão de que são eles que estão transando.
É interessante notar também como as escolhas estéticas retratam o estado
de espírito daquelas pessoas. Reparem como as cenas na cidade são tomadas por
uma paleta azulada, mais triste, enquanto as sequencias das viagens utilizam
paleta amarelada, com cores mais vivas. É como se a vida deles só começasse de
verdade quando eles caem na estrada, roubando comida e gasolina em busca de
seus objetivos pessoais. No caso de Kerouac esse objetivo foi escrever um dos
livros mais importantes da literatura americana. No caso de Salles, foi fazer
mais um excelente road movie.
On The Road – 2012 – EUA/França/Inglaterra
– 137 min.
Direção: Walter Salles
Roteiro: Jose Rivera, com base no livro de Jack Kerouac.
Elenco: Garrett Hedlund, Sam Riley, Kristen
Stewart, Tom Sturridge, Kirsten Dunst, Viggo Mortensen, Amy Adams, Steve
Buscemi, Terrence Howard, Alice Braga.

Nota:(Excelente) por Daniel Medeiros