CRÍTICA: A INVENÇÃO DE HUGO CABRET

Quando surgiu a primeira notícia de que
Martin Scorsese (Táxi Driver) faria um filme infantil em 3D, muitos (e me
incluo nessa lista) encararam tal informação com desconfiança e receio. Dono de
uma linguagem própria e comumente abordando temas pesados e violentos, o
cineasta não parecia se encaixar em uma aventura juvenil – ainda mais em
terceira dimensão. Entretanto, há outro lado de Scorsese que nem todos
conhecem: fundador da The Film Foundation
– organização responsável pela restauração de filmes antigos -, Martin é não só
um expert no assunto, como é também um verdadeiro amante da sétima arte.
E bastam apenas alguns minutos de projeção
de A Invenção de Hugo Cabret para que
percebamos que o intuito do diretor aqui é fazer uma verdadeira homenagem ao
cinema. Sendo assim, o fato do protagonista ser uma criança (que descobre o
prazer do cinema) e do longa ser rodado em 3D (tecnologia mais recente dessa
arte, contrastando com as primordiais mostradas ao longo do filme) são
elementos narrativos que se encaixam perfeitamente.
Na trama, o pequeno Hugo (Asa Butterfield)
é um jovem órfão que vive em uma estação de trem na Paris do começo do século
20. Escondendo-se do temido guarda da estação (Sacha Baron Cohen), o menino
tenta finalizar o conserto de um automato – uma espécie de robô sentado numa
poltrona com uma caneta na mão -, obra essa que ele havia iniciado quando ainda
vivia com seu pai (Jude Law). Para realizar o conserto, Hugo utiliza peças
roubadas da loja do recluso George (Ben Kingsley). Porém, quando é pego em
flagrante pelo dono da loja, Hugo é obrigado a trabalhar para George até pagar
sua dívida. Com o tempo, o garoto acaba fazendo amizade com a enteada de seu
chefe (Chloë Grace Moretz) e os dois chegam cada vez mais próximos de descobrir
o segredo do passado atormentado daquele homem.
Demonstrando completo domínio da nova
linguagem, Scorsese utiliza o 3D não como um arroubo estético (como muitos
ainda fazem), mas como uma maneira de contar histórias. Com uma apresentação
inicial completamente sem falas, o diretor passeia com sua câmera pelo
belíssimo cenário principal, aproveitando cada detalhe do caprichado design de produção feito por Dante
Ferretti (Ilha do Medo). Reparem, por exemplo, como o cineasta opta por filmar
diversos planos em plongee,
“diminuindo” assim seu protagonista, perdido em meio a cenários imensos.
E somente alguém como Scorsese conseguiria
atrair tantos atores talentosos, muitas vezes para fazer apenas pequenas
participações – como é o caso de Ray Winstone, Jude Law, e do veterano
Christopher Lee (cada um com pouquíssimo tempo de cena, e ainda assim
conseguindo desenvolver muito bem seus papéis). Porém, quem carrega o longa é o
trio principal, formado por Asa Butterfield, com seus gigantes e expressivos
olhos azuis; Chloë Grace Moretz, com sua atitude impulsiva e fome de aventuras;
e, principalmente, Sir Ben Kingsley, carregando todos os traumas de seu
personagem em uma atuação contida e emocionante. Quem merece destaque também é Sacha
Baron Cohen, que, com seu jeito tímido e atrapalhado, é responsável por alguns
dos momentos mais engraçados.
Vale lembrar que, ainda que utilize certo
humor infantil – com pessoas escorregando e piadas com animais –, A Invenção de Hugo Cabret não é um
“filme pra crianças”, já que, além de emocionante (principalmente em seu
terceiro ato), o longa requer um extenso conhecimento prévio de história do
cinema para completa apreciação de tudo que está sendo mostrado na tela.
Afinal, trata-se de uma trama passada na Paris dos anos 30, época em que o
Cinema já havia se estabelecido como forma de arte – e não uma moda passageira,
como os irmãos Lumière, seus criadores, acreditavam.
Assim como Woody Allen fez com seu Meia-Noite em Paris, Martin Scorsese
também consegue entregar um filme complexo, e ainda assim agradável para todos
os públicos – além de visualmente espetacular. Para uma parcela dos
espectadores, trata-se de um ótimo programa. Porém, pra quem sabe o que é o
Cinematógrafo e já assistiu Viagem à Lua
(1902), torna-se uma experiência nostálgica e imperdível.

(Hugo
– 2011 – EUA)
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: John Logan, com
base no livro de Brian Selznick.
Elenco: Asa
Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Emily
Mortimer, Ray Winstone, Christopher Lee, Richard Griffiths, Frances de la Tour,
Michael Stuhlbarg, Helen McCrory, Jude Law.

Nota:(Excelente) por Daniel Medeiros