Rian Johnson consegue fazer um dos filmes mais autorais da franquia.
Quando escrevi sobre O Despertar da Força, critiquei o filme por se apegar a fórmulas pré-concebidas, pesar demais na nostalgia e não trazer nada de novo ao universo criado por George Lucas. Levando isso em consideração, é uma agradável surpresa que este Star Wars: Os Últimos Jedi apresente-se como uma obra nova, que por mais que se relacione com o que veio antes, não hesita em desconstruir mitologias, ou seja, em “deixar o passado morrer”, como é dito em certo momento, na tentativa de fazer algo diferente. E por mais que encontre alguns percalços pelo caminho, o longa aponta para um futuro brilhante e esperançoso.
Escrito e dirigido por Rian Johnson (Looper – Assassinos do Futuro), este Episódio XIII se passa logo após os eventos mostrados no anterior. Na trama, a resistência – liderada pela general Leia Organa (Carrie Fisher) – continua a sua guerra contra a 1ª Ordem, ao mesmo tempo em que Rey (Daisy Ridley) tenta convencer Luke Skywalker (Mark Hamill) a participar do conflito. Mas a reação deste é completamente contrária ao que ela esperava. Aliás, esta reação já conota as intenções do diretor para esta história. Gastando um bom tempo – talvez até demais – da narrativa para desconstruir ideias pré-estabelecidas a respeito de Luke, da Força e da mitologia dos Jedi, Johnson usa essas mudanças como um atestado de autoria, como se estivesse afirmando que este filme é dele.
E algumas das ideias do cineasta mudam muito do que foi exposto – ou sugerido – até então. Assim, quando vemos Kylo Ren destruir seu capacete, isso simboliza que o longa vai abandonar as semelhanças e perseguir algo novo, algo próprio; a começar pelo desenvolvimento dos personagens. Adam Driver encontra mais espaço para tornar Kylo Ren um sujeito mais humano e assustador, e não o garoto mimado que vimos antes. Daisy Ridley continua a encarnar Rey como uma mulher forte, mas o que mais me chamou atenção na sua concepção foram os pequenos toques de sensibilidade, como seu olhar maravilhado ao ver as ondas do mar – vale lembrar que ela vem de um planeta desértico.
Entre os coadjuvantes, Oscar Isaac ganha mais espaço ao mostrar que as inconsequências de Poe Dameron podem custar caro, ao mesmo tempo em que ele passa a assumir um papel de liderança. John Boyega, por sua vez, não tem tanto destaque, mas ao menos o carisma e timing cômico do ator garantem a simpatia do público – ao contrário da sua companheira de cena, Rose Tico (Kelly Marie Tran), que me pareceu uma personagem um tanto sem graça e desnecessária para a história. E enquanto Carrie Fisher manteve o tom de voz baixo e contido visto no filme anterior, Mark Hamill nos apresenta a um Luke Skywalker frio e amargurado pelos erros do passado, diferente daquela imagem messiânica do final de O Despertar da Força.
Assinado por Rick Heinrichs (Capitão América: O Primeiro Vingador), o design de produção explora bem a variedade de naves e mundos vistos ao longo da projeção. Enquanto a ilha de Ahch-To, onde Luke mora, parece uma versão do Condado, de O Senhor dos Anéis, a sala onde fica o Líder Supremo Snoke (Andy Serkis) tem uma decoração que remete ao Japão feudal. Já a opulência de um determinado planeta explicita a crítica do diretor ao capitalismo, um sistema que não distingue heróis e vilões e que se favorece da guerra para enriquecer um pequeno grupo de pessoas, e manter outros tantos em situação de escravidão.
Desta forma, Star Wars: Os Últimos Jedi prega que a resistência não precisa ser composta apenas por pilotos e soldados, mas por qualquer ser que se sinta reprimido por esse sistema injusto, por qualquer um que queira, de alguma maneira, libertar-se das suas amarras. Todos os oprimidos são revolucionários em potencial, ainda que nem todos precisem pegar em armas. Afinal, as ações rebeldes podem ser algo tão simples como deixar de apertar um botão e, com isso, começar a questionar a sua própria posição naquela sociedade. Essa discussão política é condizente com a proposta do realizador, que parece muito mais preocupado com o conteúdo do seu filme do que com a criação de um espetáculo visual.
Ao contrário de J.J. Abrams, que colocava seus personagens correndo de um lado para o outro o tempo todo, Rian Johnson opta por uma abordagem mais contida. Apesar de conceber ótimas sequências de ação – aquela na qual o chão branco fica vermelho durante uma batalha–, fica claro que sua proposta é outra. Como num jogo de xadrez, cada ação é extensamente ponderada antes de ser executada. Tal escolha, porém, causa alguns problemas no ritmo da narrativa, que soa arrastada demais no início (durante o posicionamento das peças) e parece demorar para se estabelecer (partir para o xeque-mate). Também não ajuda o fato de toda uma subtrama envolvendo Finn não levar a lugar algum, e ocupar um tempo precioso de projeção.
São equívocos que empalidecem um pouco o resultado, mas não tiram o brilho de Star Wars: Os Últimos Jedi, que se sustenta como uma obra isolada e original (dentro do possível). O próprio diretor já declarou que, como não está envolvido no episódio XIX, ele não sabe se algumas das decisões tomadas aqui se manterão no próximo longa – como aquela acerca os pais de Rey. Mas independente do que virá pela frente, fica claro que este Star Wars é, sim, um filme de Rian Johnson. E é justamente essa veia autoral que mais me encantou nessa produção, embora talvez seja justamente isso que incomode alguns dos fãs mais fervorosos da franquia.
Título original: Star Wars: Episode VIII – The Last Jedi
Gênero: Aventura/Fantasia/Ficção Científica
País: EUA
Duração: 152 min.
Ano: 2017
Direção: Rian Johnson
Roteiro: Rian Johnson
Elenco: Daisy Ridley, Mark Hamill, Carrie Fisher, Adam Driver, John Boyega, Oscar Isaac, Andy Serkis, Domhnall Gleeson, Lupita Nyong’o, Anthony Daniels, Gwendoline Christie, Kelly Marie Tran, Justin Theroux, Veronica Ngo, Warwick Davis, Benicio Del Toro e Laura Dern.