Crítica | As Aventuras de Pi

Forte candidato ao Oscar 2013, As Aventuras de Pi marca o possível retorno do cineasta Ang Lee ao evento que já o consagrou como melhor diretor em 2006 (por O Segredo de Brokeback Mountain). Conhecido pela sensibilidade com que trata os mais variados temas, dessa vez Lee aponta sua câmera para o oceano para contar a história de um jovem indiano perdido no meio do mar em um bote salva-vidas junto com um feroz tigre de bengala. E o resultado, mais uma vez, é impressionante.

O roteiro, escrito por David Magee (Em Busca da Terra do Nunca) com base no livro de Yann Martel, tem início com uma conversa entre o então adulto Pi Patel (Irrfan Khan) e um escritor em busca de inspiração. Através dessa conversa é estabelecida uma narrativa em flashbacks que mostra a vida do protagonista, desde a origem de seu nome, passando pela sua juventude, a descoberta da religião, o amor pelos animais do zoológico do seu pai, a educação – às vezes severa – dada por este, o primeiro amor, e, finalmente, a fatídica viagem ao Canadá que resulta no naufrágio e seu consequente exílio. (E nesse caso, a tradução nacional do título do filme se mostra equivocada, já que o importante para Ang Lee é A Vida de Pi, e não suas aventuras.)

Visando resumir a história e focar-se nos momentos cruciais da vida do personagem principal, o texto de Magee utiliza uma estrutura interessante ao mostrar os próprios personagens citando a história sendo contada: em certo momento o escritor, interpretado por Rafe Spall, aponta que até então Pi já “montou o cenário” e que a história que ele estava esperando ouvir já podia começar. E não deixa de ser notável que, a partir desse ponto, o narrador da história passe a ser o jovem Pi (Suraj Sharma) – algo justificado pelo fato de ele manter um diário relatando sua experiência (o que também explica por que, próximo ao fim do longa, o narrador volta a ser sua versão adulta).

Além disso, o roteiro faz também um paralelo entre a busca da fé do protagonista – que segue três religiões distintas ao mesmo tempo – com a história sendo contada pelo mesmo. Para ele, trata-se de “escolher a melhor história”, mesmo que essa possa não ser necessariamente a verdadeira. Nesse sentido, torna-se não apenas justificável como extremamente eficaz que o ambiente em que se encontra o herói seja lúdico e bastante fantasioso. A água cristalina da piscina que dá a impressão que o personagem está nadando no céu ou o oceano imóvel que nos faz perder a noção do horizonte, todo esse espetáculo visual faz parte de uma história que pode muito bem ter sido inventada (ou aumentada, ou alterada) por seu contador.

Ajudando a criar o clima “fantasioso” da produção, a direção de fotografia de Claudio Miranda (Tron: O Legado) merece destaque por sua concepção imaginativa daquele universo (em especial nas sequencias noturnas recheadas de seres florescentes). Além do mais, o uso do 3D nos planos gerais aumenta o sentimento de isolamento do personagem. Entretanto, por mais que o 3D seja usado de maneira funcional durante quase toda a projeção, a utilização de mudança de foco (do primeiro plano para o segundo, ou vice e versa) em certos momentos se mostra não apenas desnecessária, como é também uma contradição em relação à tecnologia utilizada (que por definição mantém o foco nos dois planos ao mesmo tempo).

Apesar desse defeito técnico, a concepção visual de Lee continua impecável. Seu domínio de câmera é visto em cenas complexas, como o impressionante naufrágio, ao mesmo tempo em que a sensibilidade mencionada anteriormente pode ser notada em escolhas simples (não mostrando a morte de nenhum animal) ou em outras mais complexas, como o lento estabelecimento da relação entre o garoto e o tigre – que, por sinal, tem um desfecho emocionante.

Ainda é cedo para afirmar quais as reais chances que o longa tem para o Oscar desse ano, mas é possível dizer que, ainda que As Aventuras de Pi possa não ser o melhor filme do ano passado, ele é com certeza é um dos mais belos.

(The Life of Pi – Drama – EUA – 2012 – 127 min.)
Direção: Ang Lee
Roteiro: David Magee, com base no livro de Yann Martel.
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Tabu, Adil Hussain, Gerard Depardieu, Rafe Spall.