A ORIGEM

(Inception – 2010 – EUA)

Direção: Christopher Nolan

Roteiro: Christopher Nolan

Elenco: Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Cillian Murphy, Michael Caine.

Lembro-me de que, um tempo atrás, escrevi sobre o filme As Melhoras Coisas do Mundo, e nesse texto expliquei os motivos que levam um crítico a procurar não criar expectativa – tanto positiva quanto negativa – em relação a um filme. Porém nessa mesma resenha expliquei também que estou apenas começando na função de análise fílmica e às vezes acabo tropeçando nas regras. A Origem, novo trabalho de Christopher Nolan, foi desses tropeços.
Em minha defesa, considero quase impossível para alguém que acompanhou toda a produção (através de notícias, fotos, entrevistas, trailers) não criar nenhuma expectativa em relação a esse filme. Visualmente impressionante desde que o primeiro teaser foi lançado, tal sentimento só cresceu a medida que o sinopse foi liberado, seguido por alguns trailers que procuravam detalhar um pouco mais a trama.
Meu maior medo era que, com tanta ansiedade, o filme acabasse não fazendo juz ao que eu estava esperando dele. Não queria me decepcionar. E fico feliz em dizer que não me decepcionei. A Origem é tudo aquilo que eu esperava, e mais um pouco. É um excelente filme, muito bem escrito e dirigido, com atuações ótimas, bela fotografia, direção de arte impecável, etc…
Porém não quero ficar aqui só enchendo o filme de elogios sem nenhum argumento que sustente tais adjetivos, até porque se fosse esse o caso, tais argumentos não teriam sustentabilidade nenhuma. Portanto vou tentar deixar a excitação de lado (o que vai ser difícil) e me concentrar nos aspectos fílmicos, para que assim vocês possam entender melhor os motivos que me levaram a ter gostado tanto de A Origem. Vamos por partes, começando então pela história.
Depois de muita especulação quanto aos segredos do filme, a sinopse oficial foi revelada pelo estúdio, cerca de três meses atrás, e ela dizia o seguinte: “A trama se contextualiza pelo mundo e dentro do íntimo e infinito universo dos sonhos. Dom Cobb (DiCaprio) é um experiente ladrão, considerado o melhor na perigosa arte de extração e de roubo de valiosos segredos do subconsciente das pessoas durante o sono, momento em que a mente está mais vulnerável.

A rara habilidade de Cobb o tornou um invejável jogador nesse traiçoeiro e novo universo da espionagem, ao mesmo tempo em que o transformou em um fugitivo internacional e lhe custou tudo o que ama. Agora, ele tem a chance de se redimir.
Um último trabalho poderia lhe dar sua vida de volta, caso ele realize o impossível: a origem. No lugar do roubo perfeito, Cobb e sua equipe de especialistas precisam atingir o oposto: não roubar uma idéia, e sim plantar uma. No entanto, nenhum plano minucioso ou expert podem proteger a equipe de um perigoso inimigo que, aparentemente, pode prever cada passo. Um inimigo cuja chegada apenas Cobb poderia prever.

Se você ficou confuso com essa sinopse, vá se acostumando, afinal sua sensação ao sair do cinema não será muito diferente. Não estou dizendo que A Origem é um filme que não faz sentido, longe disso, o que estou dizendo é que, assim como essa sinopse, todo o roteiro é extremamente complexo (algo plausível se tratando de um filme que se passa quase todo durante os sonhos dos personagens), sendo um texto cheio de detalhes e que ainda deixa margem para diversas interpretações.
O roteiro, escrito pelo próprio Nolan, cria um mundo em que é possível invadir o subconsciente de uma pessoa enquanto ela está dormindo, e assim tentar extrair de lá as informações valiosas. O mundo dos sonhos é totalmente calcado na realidade (algo necessário para que a pessoa que está sendo roubada não perceba que está sonhando), sendo que muitas vezes estamos presenciando um sonho e não percebemos isso. Além disso, ainda é possível criar um sonho dentro de um sonho (?) e permanecer dentro do sonho de uma pessoa por algum tempo, mesmo depois que o sonhador já tenha acordado (??). Da mesma maneira que fez em O Grande Truque Nolan cria uma história fantástica em um ambiente realista, onde tudo o que acontece tem uma explicação lógica (por mais absurda), que funciona dentro daquele universo fílmico.
Estrelado por Leonardo DiCaprio que se mostra mais uma vez extremamente inteligente na escolha de seus papéis – esse e Ilha do Medo são dois dos melhores filmes lançados esse ano – DiCaprio cria um personagem forte e atormentado. Sua imersão no papel é tão convincente que chega a afastar completamente a imagem daquele garoto chato que a 13 anos atrás gritava aos ventos ser o “Rei do Mundo”. Além dele, o longa ainda conta com Ken Watanabe e Cillian Murphy que, assim como Michael Caine que faz uma participação pequena, retomam a parceria que fizeram com Nolan em Batman. Além deles, o jovem Joseph Gordon-Levitt vem ganhando (merecidamente) cada vez mais destaque no cinema hollywoodiano, também aparece como …. e Tom Hardy, que, entre outras coisas, serve como alívio cômico. Fechando o elenco, Ellen Page surge como a novata aspirante a arquiteta. Fugindo do clichê de ser a personagem/espectador (aquela que só serve para fazer perguntas que servem como explicações para o público) Ariadne é forte, determinada, e de extrema importância para a história, visto que ela representa toda a racionalidade e frieza perdida pelo protagonista durante seus anos vivendo no mundo dos sonhos.
Contando com uma direção mais uma vez excelente de Nolan, que sabe muito bem criar seqüências de ação eletrizantes, como o clímax entendido, com elementos dramáticos muito criativos (o elevador de memórias é brilhante), o diretor ainda acerta ao confiar na inteligência do público, sem precisar “mastigar” toda a resolução da trama. Não só estética e dramaticamente isso funciona melhor, pois o filme flui com mais facilidade, como é comercialmente favorável, visto que várias pessoas (me incluo nessa lista) vão querer ver o filme mais de uma vez para pode prestar atenção nos vários detalhes e fazer as suas teorias. A última vez que eu lembro de um filme que ousou fazer algo assim foi a … anos atrás quando foi lançado o primeiro Matrix.
Todo o aspecto técnico do filme merece ser mencionado. Desde a fotografia, feita por Wally Pfister (parceiro habitual de Nolan) juntamente com a direção de arte (feita por Guy Dyas, responsável pela arte do último Superman) ajudam a narrativa, dando a cada um dos estágios (ou seriam degraus?) dos sonhos uma característica própria. Enquanto um estágio é meio azulado e com uma chuva constante, o outro é um hotel chique onde predomina um tom amarelo, o próximo tem domínio do branco, fechando com um último estágio que é um verdadeiro orgasmo de arte (não vou me aprofundar muito pois não quero dar nenhum spoiler). Além disso, o longa ainda conta com um fantástico trabalho de montagem de Lee Smith, outro parceiro habitual de Nolan, que além de estender o clímax, conforme já foi dito, ainda consegue, de maneira coesa, não se perder entre todos os estágios dos sonhos, em que ações acontecem em
paralelo, com espaços e, principalmente, tempos diferentes. É, realmente, bonito de se ver.
Quem acompanha os meus textos sabe que não costumo escrever muito a respeito dos filmes que indico (só agora notei o quanto já escrevi). Faço isso pois acredito que, se tratando de uma dica, não devo entregar muitos detalhes da história ou explicar muito a trama, pois cabe ao público ver e descobrir aquele filme, da mesma maneira que eu o descobri. Porém, conforme eu disse na resenha do As Melhores Coisas do Mundo, algumas regras são feitas para serem quebradas. E nesse caso eu simplesmente não conseguia parar de escrever.

Nota: por Daniel Medeiros