Embora tenha sido lançado pela Blumhouse, estúdio caracterizado pela produção de obras de terror, Soft & Quiet dificilmente se encaixaria numa lista do gênero. É um daqueles filmes que flertam com o terror, mas mantêm uma distância segura. Porém, ainda que se afaste dos aspectos mais fantásticos do gênero, sua proximidade com a nossa realidade assusta mais do que as melhores histórias de monstros e demônios.
Escrito e dirigido por Beth de Araújo (filha de um brasileiro), o longa acompanha Emily (Stefanie Estes), uma jovem professora de educação infantil. Certo dia, após o trabalho, ela vai até uma igreja ali próxima para participar de uma reunião com um grupo de amigas. A princípio não parece haver nada de errado naquela reunião. Há comida e bebidas, e todas parecem alegres. (A informação a seguir pode ser considerada um spoiler.) Essa alegria não é abalada nem mesmo quando é revelado o desenho de uma suástica na torta trazida por Emily.
Os risos e brincadeiras diante da revelação explicam o motivo da reunião: elas estão formando um grupo feminino de supremacistas brancas. O grupo ainda é pequeno, mas planeja expansão. Elas querem divulgar suas ideias por meio de newsletters e talvez até uma revista, com o intuito de atrair mais pessoas para a “causa”. A naturalidade com que elas discutem suas motivações é contraposta com o nosso desconforto ao assistirmos àquilo.
Tal desconforto perdura durante toda a produção, em parte devido a escolha de Araújo por rodar Soft & Quiet todo em plano sequência. A opção por contar essa história em tempo real é agridoce, funcionando dentro da proposta de manipulação temporal (que será discutida adiante), mas pecando pela limitação apresentada por esse formato, limitação esta que fica evidente à medida que o filme avança.
Em determinados momentos, é visível que o posicionamento das atrizes foi construído para privilegiar a movimentação da câmera, e não a naturalidade da situação. Em uma cena, por exemplo, as personagens entram num carro – algo que a câmera tem dificuldade em fazer – e cada uma senta em um banco diferente apenas para dar lugar ao operador. Da mesma maneira, as longas pausas nas conversas dentro do carro seriam cortadas numa narrativa “convencional”, mas aqui precisam ser mantidas em nome do realismo.
Porém, a proposta da cineasta de investir no plano-sequência é bem-sucedida em outros dois aspectos. Primeiro, ela amplifica o já mencionado desconforto, pois ficamos presos a essas pessoas odiosas, sem sequer termos o alívio momentâneo do corte para nos afastarmos deles. Por outro lado, o “tempo real” serve ao propósito de condensar situações que demorariam mais tempo para acontecerem. Soft & Quiet é, em sua essência, uma explicação acelerada dos perigos do supremacismo branco, perigos estes que começam “apenas” como conversas e eventualmente (ou, neste caso, rapidamente) se escalam para violência.
Existe outro ponto agridoce em relação a esse estilo: o seu didatismo. O filme parece bater em todas as teclas relacionadas a esse tema, tornando-se, inclusive, repetitivo para quem já conhece aquelas informações. Ou seja, quem sabe que o nazismo não é de esquerda, que racismo e liberdade de expressão são coisas diferentes, e que a criação de um partido nazista não é uma boa ideia não vai aprender nada com a previsibilidade da narrativa.
Mas esse mesmo didatismo pode ser benéfico num cenário educacional. Porque se Soft & Quiet não funciona para quem reconhece o absurdo daquela realidade, ele pode servir para ensinar quem ainda não sabe. E nisso, a abordagem de Beth de Araújoé extremamente funcional. É um filme simples e direto, que deveria ser exibido nas escolas. Afinal, conforme a própria obra mostra, o preconceito não é inerente ao ser humano; é aprendido. Portanto, a tolerância e a empatia também precisam ser.