Durante a década de 1950, o casal Lucille Ball e Desi Arnaz estrelou a pioneira sitcom I Love Lucy, um estrondoso sucesso televisivo, considerado um alicerce para o estabelecimento da narrativa seriada como a conhecemos hoje. Diante das câmeras, Lucy e Desi eram o casal mais querido da América. A vida de contos de fadas, porém, entrava em conflito com a realidade longe das telas, onde os dois se viam envoltos em problemas de desconfiança, infidelidade e até perseguição política. E é disso que fala o filme Apresentando os Ricardos (Being the Ricardos, 2021), escrito e dirigido por Aaron Sorkin (Os 7 de Chicago).
O longa-metragem concentra a sua atenção em um curto período de tempo, investindo em flashbacks com o intuito de preencher as lacunas deixadas pela estrutura adotada. Na trama, ao longo de uma semana, Lucille Ball (interpretada por Nicole Kidman) é citada pelo Comitê de Atividades Antiamericanas (que a acusou de ser membro do Partido Comunista), um tabloide publica uma matéria sobre a possível infidelidade de Desi (Javier Bardem) e Lucille anuncia que está grávida. Em meio a este turbilhão de emoções, a equipe de I Love Lucy segue ensaiando a gravação do próximo episódio, sem saber se eles ainda terão um emprego ao final dos sete dias.
Quem conhece a história de I Love Lucy sabe da importância dessa gravidez. Já quem não conhece pode considerar a informação a seguir um spoiler, então fica aqui o aviso. Ao integrar a gravidez à trama (em vez de escondê-la, como é feito até hoje), a atração passou a explorar aquela que se tornou a principal característica das séries de TV: o tempo. O público acompanhou a gravidez da sua amada protagonista semanalmente, algo impossível em qualquer outra mídia. Junto com o bebê de Lucy, nasceu também a narrativa seriada moderna, aquela que admite a passagem do tempo e a usa como elemento dramático.
Fica claro, portanto, que a trajetória de I Love Lucy e de Lucille Ball é extremamente rica e importante. E, numa tentativa de dar conta de todos os fatos históricos, Sorkin intercala a trama com falsas entrevistas com membros da produção da série. Tais inserções até reforçam a importância da atração e os problemas dos bastidores, mas não acrescentam nada de novo, soando como um eco da narrativa principal. O maior exemplo disso é a informação a respeito do número de pessoas que assistia à atração, informação essa trazida por meio de entrevistas e repetida pelos próprios personagens.
E embora Sorkin seja eficiente ao mover as peças do seu complexo quebra-cabeças, ele se mostra pouco inventivo. Por mais que uma ou outra cena chame a atenção pelas suas qualidades visuais (como é o caso da apresentação dos protagonistas, na qual o diretor mantém o foco no rádio e não nos atores), de resto ele adota uma postura sóbria. Mas o realizador sabe aproveitar o seu maior trunfo: a atuação de Nicole Kidman, que explora a fundo as diferentes nuances da sua personagem.
A Lucille Ball, aqui, é uma mulher segura em relação ao seu próprio talento, que faz dos roteiristas e diretores meros operários da sua visão criativa. Ela trava batalhas pessoais com colegas e amigos, ao mesmo tempo em que aceita um certo protagonismo do marido diante da estrutura machista na qual está inserida, mas sem nunca perder o seu comando. E com a mesma espontaneidade com que inicia uma discussão, ela a termina. “Você está certo Desi”, diz ela em certo momento, não porque concorda com ele, mas porque sabe que isso é o que ele precisa ouvir para parar de falar.
Conforme o título nacional indica de maneira tão certeira, Apresentando os Ricardos serve para introduzir o público à uma história rica e de extrema importância para a narrativa televisiva. Ainda assim, o filme fica aquém do sucesso da figura ali retratada, servindo, em vez disso, como mais uma demonstração do talento de Nicole Kidman.