Clint Eastwood não é estranho ao western, assim como não é estranho ao seu revisionismo. Como ator, sua carreira deslanchou devido ao sucesso dentro do gênero. Como diretor, um dos seus trabalhos mais consagrados, e mais premiados, Os Imperdoáveis, serviu ao mesmo tempo de homenagem e revisão do gênero mais clássico de Hollywood. Mas se naquela época o cowboy era visto como alguém obrigado a sair das sombras após ter cavalgado em direção ao pôr-do-sol, em Cry Macho: O Caminho para Redenção, filme mais recente do cineasta, vemos o cowboy reavaliando sua própria vida à medida em que inevitavelmente se aproxima do fim dela.
Do alto dos seus 91 anos, Eastwood estrela e dirige essa obra sobre um antigo peão de rodeios e treinador de cavalos que coleciona arrependimentos e traumas do passado. Logo no início do longa-metragem, vemos o protagonista Mike Milo (interpretado pelo próprio diretor) sendo despedido pelo seu empregador, Howard Polk (Dwight Yoakam). A justificativa de Polk é simples: “é preciso modernizar”. E não há lugar para o cowboy clássico em meio ao mundo moderno. Um ano se passa, e Polk procura Milo para oferecer-lhe um trabalho diferente: ele precisa cruzar a fronteira para resgatar o filho do seu empregador, supostamente uma vítima dos maus tratos da mãe.
A contragosto, Milo aceita fazer a viagem. Mas a fará do seu jeito e no seu ritmo. Não demora até que ele encontre o menino, Rafo (Eduardo Minett), mas não sem antes fazer inimizade com a mãe dele, Leta (Fernanda Urrejola). Perseguidos pela polícia e pelos capangas de Leta, Milo e Rafo fazem um desvio e vão parar numa cidadezinha afastada, onde conhecem Marta (Natalia Traven), a dona de um restaurante que ajuda a dupla enquanto eles se escondem. Aos poucos, Milo e Rafo começam a se acostumar com a vida na cidade pequena e a vontade de cruzar a fronteira é levada embora como uma bola de feno em meio à ventania.
Caso fosse realizado alguns anos atrás, Cry Macho: O Caminho para Redenção poderia ter sido bem diferente. Em 2016, Eastwood declarou o seu apoio à Donald Trump quando este havia proposto a criação de um muro separando os Estados Unidos do México. Nas eleições de 2020, porém, o ator/cineasta mudou seu voto, apoiando publicamente o candidato democrata Mike Bloomberg. É notável o esforço de ressignificar a representação dos latinos, vistos como vilões pelo antigo governo: a relação de Milo com Rafo é o coração do filme, e embora Marta (mexicana) seja mostrada como uma figura vilanesca, Howard (americano) não fica muito atrás.
Da mesma forma, os tropos do western estão todos presentes, mas não como estamos acostumados a vê-los. Temos a cidade pequena, os forasteiros, os vilões, a missão. Tudo isso está lá, mas aparece distorcido. Não é a cidade que precisa de proteção, são os próprios protagonistas. A cidade não se acovarda diante das ameaças, ela se une. E a personagem de Leta não é uma donzela em perigo; ela é independente e forte. O heroísmo do cowboy também passa por mudanças, sendo substituído pela reavaliação da sua própria vida e das suas próprias decisões. É a ideia de o que significa ser “macho”, discutida ao longo de todo o filme.
Ainda deixando escapar um machismo enraizado de vez em quando, Milo entende o seu lugar (ou a sua falta de lugar) nesse novo mundo. Embora tenhamos vislumbres dessa sua vida passada (como nas belíssimas cenas em contraluz, nas quais vemos o protagonista domando cavalos selvagens), ele próprio sabe que seus dias de duelos e perseguições já ficaram para trás. Nesse momento da sua vida, o cowboy está mais interessado em sentar à beira da fogueira escutando as histórias de pessoas que outrora seriam salvas por ele – ou pior, seriam seus inimigos.