Na minha juventude (ah, aquele tempo…) eu apreciava muito o trabalho do cineasta Kevin Smith (O Balconista). Como um adolescente que curtia de quadrinhos e cinema, assistir a filmes que discutiam esse tipo de assunto era algo familiar para mim – daí essa admiração juvenil pelo diretor. Mas eu cresci. Estudei cinema. Aprimorei o meu gosto. E olhando agora, a impressão que tenho é que Kevin Smith continua no mesmo lugar em que ele estava 20 anos atrás.
Aliás, vendo em retrospecto, consigo perceber que minha admiração inicial por Smith não vinha necessariamente do seu talento como realizador – que é bem limitado, por sinal –, mas sim pela forma como ele conseguia se conectar com a sua audiência. Porque, por mais que eu goste de alguns dos seus longas, é inegável que a maioria deles fala dos mesmos assuntos e aborda-os da maneira igual. Não existe nenhum avanço técnico ou narrativo, mantendo-se sempre raso – salvo o excepcional Procura-se Amy, de longe o seu melhor trabalho.
Mas Smith tem o seu público cativo. E isso vem principalmente da sua figura pública, do seu carisma natural, e do bom humor com que ele trata qualquer assunto que aborde. Dessa maneira, ele não cria espectadores, mas sim “amigos”. Pessoas que admiram mais a sua pessoa do que sua obra. Prova disso é a quantidade de pessoas que tomaram o microfone durante a sua palestra gravada no documentário A Evening With Kevin Smith para convidá-lo para “fumar um” após a apresentação.
Esse é um nível de intimidade que ele próprio reconheceu como sendo estranho (para não dizer extremo), mas não o impediu de se aproveitar dessa situação para alavancar o passo mais recente da sua carreira. Aproveitando-se do mencionado carisma, ele se tornou um podcaster profissional (daqueles que ganham dinheiro) e lançou a série Comic Book Men, que tem o claro objetivo de promover a sua loja de quadrinhos, o seu podcast e, é claro, a sua própria imagem.
E foi no podcast que surgiu a ideia para o seu mais novo trabalho, o terror Tusk – A Transformação, sobre um ex-marinheiro que quer transformar outro homem numa morsa. E só. Essa é a sinopse principal, discutida à exaustão no episódio 259 do Smodcast. O conceito foi tirado de uma carta postada num site (e lida no programa) por um homem que gostaria de arrumar um companheiro de quarto que topasse se vestir de morsa para que ele pudesse reencenar os momentos em que ele passou numa ilha deserta ao lado do animal. O assunto rendeu risadas durante o programa, e a conversa se estendeu ao ponto de se tornar a base do roteiro – que Smith credita como “baseado numa história real”. Porém, ao final, é possível perceber que tal ideia só funciona no estilo de conversa descontraída de podcast, e não se sustenta durante 100 minutos de projeção.
Ainda assim, não deixa de ser interessante analisar o processo de brainstorming que levou a realização desse longa. Buscando o caminho mais fácil, Smith logo já disse que o resultado “não deve ser um estudo sobre a humanidade, precisa ter crueldade“, justifica que serve de desculpa para usar imagens fortes sem que elas tenham, de fato, algum propósito narrativo. Da mesma maneira, ele se trai ao dizer que o filme precisa ser todo focado no processo de transformação do protagonista, e não deve mostrar aquelas cenas chatas das pessoas procurando o personagem perdido. “Ninguém se importa com o que está acontecendo do lado de fora“, disse ele, mas depois baseou metade da sua trama exatamente nisso.
Tusk acompanha um podcaster (olha que original) que viaja para o Canadá para entrevistar um garoto responsável por um vídeo que se tornou viral. Chegando lá, ele é impedido de fazer a entrevista, e, vagando pela cidade, encontra uma carta (no banheiro de um bar) de um ex-marinheiro que deseja dividir a sua casa em troca da realização de algumas tarefas domésticas. O que mais atrai o jovem protagonista é o fato de que o homem da carta afirma que tem muitas histórias para compartilhar, mas ninguém para conversar. Indo lá para ouvir tais contos, ele logo se vê envolvido nos planos malignos (e bizarros) do velho marinheiro. Ao mesmo tempo, a sua namorada e o seu melhor amigo o procuram desesperadamente – com o auxílio de um detetive estranhíssimo vivido por Johnny Depp.
Apoiando-se num personagem arrogante e irritante (e vivido com canastrice por Justin Long), o longa perde a simpatia do espectador logo no início da projeção, pois não nos importemos em nada com o seu destino – aliás, em certo momento chegamos a torcer pelo cientista maluco. Da mesma maneira, é problemática a abordagem sem foco de Smith, que parece não saber se está fazendo uma paródia ou um terror sério (e o conceito jogado ao final, sobre a natureza humana, é no mínimo brega). Finalizando os problemas, a tal transformação mencionada no título causa apenas risos, voluntários e involuntários, e com certeza não justifica todo o suspense e construção dramática em cima desse fato.
Tusk – A Transformação é o primeiro capítulo de uma trilogia de terror que Kevin Smith vai filmar no Canadá (onde é mais barato). E a julgar por isso aqui, dá até medo do que virá a seguir. Mas por pior que seja – e olha que esse aqui é realmente muito ruim –, os filmes de Smith ainda atingem o seu público de “amigos”. Resta saber até quando…
(Tusk | Terror | EUA/Canadá | 2014 | 102 min.)
Direção: Kevin Smith
Roteiro: Kevin Smith
Elenco: Justin Long, Michael Parks, Haley Joel Osment, Genesis Rodriguez, Haley Joel Osment, Johnny Depp.
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