Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

Gosto muito da franquia cinematográfica Jogos Vorazes. Enquanto o primeiro filme surgiu como uma agradável surpresa em meio a um amontoado de adaptações de aventuras young adults que surgem todos os anos, o segundo, muito mais maduro, figurou na minha lista de melhores do ano. Sendo assim, é decepcionante perceber que, por mais que tenha muitas qualidades (e ele tem), Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 se mostre o capítulo mais fraco até então, não necessariamente por conta dos seus defeitos, mas por causa da ótima qualidade dos seus antecessores.

Escrito por Peter Craig (Atração Perigosa) e Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca), com base no livro de Suzanne Collins, o roteiro tem início logo após os eventos do filme anterior e mostra Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) escondida no Distrito 13, lar da revolução contra Panem, ao lado Gale (Liam Hemsworth). Aproveitando-se da imagem icônica da garota, Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman, competente como sempre) e a presidente Alma Coin (Julianne Moore) buscam utilizá-la como um símbolo para mobilizar as massas e fazer com que os outros distritos se unam na luta contra a Capital. Paralelo a isso, a Capital usa o seu próprio símbolo, Peeta Mellark (Josh Hutcherson), como forma de divulgar uma falsa propaganda de paz.

A ideia da manipulação das massas é um dos temas mais interessantes da franquia Jogos Vorazes, e os roteiristas acertam ao explorarem isso ao máximo. Everdeen se torna a “cara da revolução” e é utilizada para “vender” uma ideia, fazendo as pessoas aderirem à luta e até embarquem em missões suicidas. E nisso, a atriz Jennifer Lawrence mais uma vez merece destaque por compor uma personagem que consegue alternar entre momentos fragilidade com explosões de raiva, tudo de maneira extremamente natural.

Mesmo assim, o texto Craig e Strong peca ao se entregar a situações e diálogos expositivos, o que enfraquece a sua estrutura. Além de sentir a necessidade de apresentar duas vezes a destruição do Distrito 12, o roteiro ainda cai na pieguice de mostrar o presidente Snow (Donald Sutherland) sofrendo um leve corte enquanto está sendo barbeado, somente para mostrá-lo falando: “nunca os deixe vê-lo sangrar”. Da mesma forma, quando Katniss aparece observando um gato que persegue a luz de uma lanterna, num raro instante de descontração e inocência, ela subitamente se dá conta da própria manipulação que está sofrendo e a primeira coisa que fala a um companheiro de luta é: “eu percebi isso enquanto observava aquele gato”.

Tecnicamente, porém, o filme é impecável. O cineasta Francis Lawrence se destaca ao conseguir manter num longa praticamente sem ação ao mesmo tempo em que cria cenas memoráveis (como ao revelar os corpos carbonizados no Distrito 12). Valem mencionar também os dois momentos em que ele se utiliza do recurso da montagem paralela de maneiras distintas e igualmente eficazes. No primeiro deles, ele apresenta a preparação para a execução dos rebeldes capturados em todos os distritos, causando tensão no fato de o espectador já saber o que vai acontecer. Diferente disso, durante o clímax o diretor recorre novamente à montagem paralela, desta vez visando esconder algumas informações do público, provocando angústia pela forma fragmentada como a informação é revelada.

Com tudo isso, o grande problema de Jogos Vorazes: A Esperança reside exatamente na “Parte 1” do seu título. Seguindo uma mania um tanto irritante da atualidade, em que um único livro é dividido em dois filmes distintos (ou em três, vide O Hobbit), o longa sofre uma quebra brusca. A franquia Jogos Vorazes (tanto na literatura quanto no cinema) se caracterizou por preparar o terreno para culminar num final que, por mais que pudesse ficar em aberto (como aconteceu em Em Chamas), era satisfatório dentro da sua proposta. Não é o que acontece aqui. Ao final de A Esperança (e novamente comparando com os anteriores) a impressão que fica é que a narrativa foi literalmente cortada no meio. Deixando o lado financeiro de lado, pode-se justificar que a divisão se deve a uma preparação para o que deve ser um final épico (ou pelo menos assim espero). E sim, é preciso ter uma base para que se possa ter um topo. Mas quando só se tem a base, por mais sólida que seja, ela não deixa de estar incompleta.

(The Hunger Games: Mockingjay – Part 1 | Aventura EUA | 2014 | 123 min.)
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Danny Strong e Peter Craig
Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Philip Seymour Hoffman, Julianne Moore, Willow Shields, Sam Claflin, Elizabeth Banks, Jena Malone, Stanley Tucci, Natalie Dormer, Elden Henson.