A Vida Secreta de Walter Mitty é uma boa comédia com toques existencialistas, que traz um elenco e uma direção competente, mas que é prejudicado por um roteiro esquemático e pelo fato de parecer não saber exatamente qual é a sua abordagem narrativa.
Escrito por Steve Conrad (À Procura da Felicidade), com base no conto de James Thurber – que por sua vez já originou o longa O Homem de 8 Vidas (1947) –, o roteiro acompanha Walter Mitty (Ben Stiller, que também dirige o filme), um homem solitário e tímido que se mostra incapaz até mesmo de mandar uma “piscadinha” para uma colega de trabalho por meio de uma rede social. Gerente da sessão de negativos da revista Life, Walter procura disfarçar a monotonia da sua rotina com constantes devaneios, onde sonha ser uma pessoa completamente diferente do que ele realmente é. E no mesmo dia em que recebe a notícia de que a revista vai ser extinta e substituída por um site – algo que aconteceu de verdade em 2000 –, ele percebe que extraviou o negativo de uma foto tirada pelo famoso fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), foto essa que será usada na capa da última edição da Life. Mitty parte então numa jornada pela Groenlândia Islândia e o Himalaia para tentar encontrar a foto perdida, embarcando numa aventura que até então só acontecia na sua imaginação.
Mostrando o protagonista desde o início deslocado em relação ao ambiente em que habita – repare que ele parece ser sugado pelos longos corredores do seu prédio –, Stiller acerta ao criar uma concepção visual que usa as cores como um elemento dramático e narrativo. Se no início da projeção, Mitty aparece vestindo roupas de cores frias e trabalhando num ambiente sombrio, isso acaba contrastando com sua imaginação fértil, que é (como era de se esperar) muito mais colorida. Alias, é interessante notar que as cores são utilizadas não apenas nas sequências de imaginação, mas também em outros momentos que representam um resquício de alegria na vida do herói, como na cena em que ele conversa com Cheryl (Kristen Wiig) na rua. Vale reparar também que à medida que o filme avança e o personagem finalmente começa a realizar seus sonhos, esse colorido passa a fazer parte da sua nova realidade, desde o seu vestuário até o ambiente ao seu redor.
Mantendo-se na sua zona de segurança ao interpretar o papel constante de alguém deslocado e quieto (bastante similar ao Greg Focker de Entrando Numa Fria), Ben Stiller compõe o seu Walter Mitty como alguém que, forçado pelas circunstâncias a assumir as responsabilidades da vida adulta ainda muito jovem, se transforma num homem solitário e infeliz que, compelido a reprimir seu espírito aventureiro, sente a necessidade de se libertar por meio da imaginação – imaginação essa que fica menos frequente à medida que ele concretiza seus antigos sonhos e conhece seus ídolos. Nesse sentido, vale destacar também a excelente participação de Sean Penn, que surge aqui como uma presença, uma figura idealizada, e que, apesar de relativamente diferente do que Walter tinha imaginado que ele seria, ainda consegue manter a sua áurea mística (o motivo que o leva a não tirar certas fotos é ótimo).
Mas se A Vida Secreta de Walter Mitty é criativo na sua concepção estética e tem ótimas atuações (com exceção de Wiig, que parece no piloto automático), o mesmo não pode ser dito do seu roteiro esquemático e, em alguns aspectos, problemático. Em menor escala, Steve Conrad peca ao subestimar a inteligência do espectador, sentindo a necessidade de martelar todas as informações para o seu público (o fato de Walter ter começado a trabalhar depois da morte do pai – o que o impediu que perseguisse seus sonhos – já tinha sido explicado num diálogo com a mãe, e não havia necessidade de mastigar a mesma informação numa conversa telefônica com Cheryl). Isso, porém, não é um problema tão grande se comparado à estrutura do texto – algo que será discutido no parágrafo seguinte, que contém alguns spoilers, por isso só leia se já tiver assistido ao filme.
Tratando-se de uma história de autoajuda, é justificável que Walter parta numa jornada de autodescoberta em busca de algo que, convenientemente, estava com ele o tempo todo. Até aí não há nada de errado. O problema é a maneira como Conrad arquiteta essa jornada. No texto, Mitty inicia uma longa viagem que o leva a enfrentar seus medos e realizar seus sonhos, apenas para não encontrar a sua resposta (a tal foto). Em seguida, ele volta para casa, onde uma nova informação é inserida e faz com que ele parta em uma nova viagem que novamente faz com que ele enfrente seus medos e realize seus sonhos. Levando em conta que as duas jornadas foram para lugares completamente distintos, eu fico me perguntando qual é a necessidade da primeira aventura? Dentro do universo narrativo proposto por Stiller e Conrad, ao trazer o personagem de volta da primeira viagem ela perde o sentido de existir, ainda mais quando constatado que a segunda viagem tem o mesmo propósito e culmina em um resultado mais satisfatório (a localização da foto).
Stiller, entretanto, mostra-se criativo ao conceber fusões bastante inventivas – como aquela que transforma um negativo de filme em uma fonte de água (o que, ao final, revela-se ser uma pista muito interessante). Isso, porém, não impede que o cineasta cometa alguns equívocos visuais, como ao pesar demais a mão nas cenas da imaginação do herói, o que compromete a atenção do espectador. E por mais que isso seja um equívoco também visto no (fraco) longa de 1947, pelo menos lá isso era mais orgânico, uma vez que o protagonista era um editor de livros pulp que fantasiava sobre estar envolvido em histórias mirabolantes, e não um arquivista que sai surfando pelas ruas de Nova York. Não se decidindo entre fazer uma simples comédia ou um estudo de personagem mais profundo, Stiller acaba entregando apenas um bom filme. E por mais que isso seja suficiente, está longe de ser o ideal.
(The Secret Life of Walter Mitty | Comédia/Drama | EUA | 2013 | 114 min.)
Direção: Ben Stiller
Roteiro: Steve Conrad
Elenco: Ben Stiller, Kristen Wiig, Sean Penn, Adam Scott, Shirley MacLaine, Patton Oswalt