Crítica | Entre o Amor e a Paixão

Michelle Williams está se tornando especialista em interpretar personagens problemáticas. Em “Namorados para Sempre” ela viveu uma mulher que via sua vida estagnada e, com o passar do tempo, enxergava-se cada vez mais longe da ideia de felicidade que antes tinha. Em Entre o Amor e a Paixão ela praticamente repete o feito ao estrelar um drama pesado, realista e, principalmente, ótimo.

Escrito e dirigido pela atriz Sarah Polley (“Minha Vida sem Mim”), o filme conta a história de Margot (Williams), uma mulher que mantém um casamento estável e uma vida confortável. Certo dia, ao voltar de uma viagem de trabalho, Margot conhece Daniel (Luke Kirby), e o que começa como um inocente flerte acaba se tornando mais sério quando ela percebe que o rapaz mora do outro lado da rua. E vê-lo constantemente acaba despertando nela um sentimento de angústia em relação ao seu casamento com Lou (Seth Rogen).

Retratando a rotina como principal inimiga de um casal, a cineasta apresenta uma mise-en-scène interessante ao mostrar o marido constantemente dentro de casa (ele trabalha como escritor de culinário), acentuando assim o sentimento de prisão da protagonista – algo auxiliado pelo fato da casa ser bastante apertada.  Ao mesmo tempo, Daniel é visto sempre na rua, ao ar livre, o que simula uma sensação de liberdade e, consequentemente, aumenta a tentação dela em relação ao rapaz.

Em seu segundo longa-metragem de destaque como diretora (o primeiro foi “Longe Dela“, de 2006), Polley demonstra-se extremamente segura na função ao realizar uma narrativa com ritmo lento e recheada de silêncios. Além disso, a cineasta cria sequências bastante criativas, como o travelling circular que ilustra a passagem de tempo e a concretização de diversos desejos e fantasias – e a maneira como esse travelling termina, enquadrando os personagens no centro da tela, faz uma rima visual bastante significativa com outra cena do início da projeção.

E Williams merece destaque pela sua personificação de Margot. Seu olhar triste e seus trejeitos inibidos ilustram uma pessoa tomada pelo “vazio” do relacionamento. É a ideia do conto de fadas realista, de mostrar o que acontece depois do “viveram felizes para sempre”. Afinal, a protagonista tem tudo o que poderia querer: uma vida confortável, um marido que a ama e a trata com respeito. Mas isso é suficiente? O que fazer então quando a chama de início de relação começa a enfraquecer? Apesar de já responder a pergunta dentro do próprio filme – “o novo envelhece” –, isso não parece ser suficiente. É preciso ver com seus próprios olhos. Sentir na pele. E, mais do que tudo, conviver com suas escolhas.

Escolhendo não detalhar muito sobre a vida de seus personagens, algo que (pessoalmente) considero um equívoco narrativo – me incomoda o fato dela não explicar como alguém que trabalha guiando um riquixá consegue dinheiro para manter uma casa e fazer turismo, mesmo sem nunca ser visto trabalhando – Polley compensa esses deslizes (se é que podem ser chamados assim) ao entregar diálogos carregados de significados, como a alegoria das conexões aéreas ou a conversa final entre Margot e sua cunhada, em que são discutidas as diferenças entre a natureza de alguém e as escolhas ela faz. Finalizando, a cena da piada do chuveiro é ao mesmo tempo belíssima e aterradora, assim como o restante do filme.

(Take This Waltz – Drama – Canadá/Espanha/Japão – 2011 – 116 min.)
Direção: Sarah Polley
Roteiro: Sarah Polley
Elenco: Michelle Williams, Seth Rogen, Luke Kirby, Sarah Silverman, Jennifer Podemski, Diane D’Aquila.

Nota: (Ótimo) por Daniel Medeiros