O DISCURSO DO REI

(The King’s Speech – 2010 – Inglaterra/Austrália/EUA)
Direção: Tom Hooper
Roteiro: David Seidler
Elenco: Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Derek Jacobi, Michael Gambon, Guy Pearce, Claire Bloom, Tim Downie, Timothy Spall, Robert Portal, Richard Dixon, Paul Trussell, Adrian Scarborough, Andrew Havill, Charles Armstrong, Roger Hammond.

O site G1 publicou uma matéria – escrita por Gustavo Muller – em 25/02/2011 – que mostrava as características mais marcantes dos filmes ganhadores do principal prêmio do Oscar nos últimos 30 anos (leia aqui a matéria). Quando um longa se encaixa nessas características (ou seja, quando ele tem oscar material) o estúdio já agenda o seu lançamento para uma data próxima à cerimônia, sendo assim tempo suficiente para recolher elogios e premiações; e pouco tempo para que se desgaste e caia no esquecimento.

As características apontadas pelo G1 são:

Superação pessoal: mostrar um personagem enfrentando seus próprios demônios e (normalmente) saindo vitorioso dessa batalha, é algo que é visto com bons olhos pela Academia. Como é o caso dos recentes Quem Quer Ser Um Milionário e Menina de Ouro;
Baseado em Fatos: mostrar pessoas “reais” vivendo seus dramas “humanifica” os personagens, tornando-os mais emocionantes e atrativos: vide Coração Valente e Amadeus;
Épicos Históricos: Os filmes que contam a jornada de um herói já ganham destaque. Se mostrarem cenários e figurinos de outras épocas (algo que sempre foi uma paixão da Academia) então, é indicação quase certa. Gladiador e Titanic são alguns exemplos que comprovam isso.

Sendo assim, O Discurso do Rei exala oscar material em cada frame de sua projeção. Contando a história (real) do Duque de York, pouco antes de sua nomeação à Rei George VI (filme de época). Com a ascensão da tecnologia, o rádio tornou-se o principal meio de comunicação entre os monarcas e a nação. Esse era também o maior medo do Duque – que desde criança sofria de um severo caso de gagueira – quando assumiu o trono (depois de seu irmão, Edward VIII, renunciar para por motivos pessoais). Após várias consultas com diversos “especialistas” – que receitavam cigarros e bolas de gude como remédio – o futuro rei procura Lionel Logue, um excêntrico especialista em problemas da fala, visando curar-se de sua condição e assim poder passar confiança a sua nação por meio de seus discursos (superação pessoal).

Sabendo que teria um filme com potencial de Oscar nas mãos, chega a ser estranho que o diretor Tom Hooper (Malditos Futebol Clube) faça algumas escolhas tão equivocadas em sua concepção fílmica. Sua direção pode, facilmente, ser dividida em três níveis:

Ruim: os estranhos enquadramentos – que deixam os personagens no canto do quadro – seriam justificados como sendo uma escolha estética que do diretor visando representar o deslocamento do personagem em relação ao seu mundo; porém, após ser usado com exagero, o recurso acabado resultando em uma estética estranha e “feia”;

Bom: a cena em que o Rei e Lionel caminham na rua e que (mesmo os dois já sendo amigos), ainda assim, o rei posiciona-se a frente do médico, enquanto esse tem que correr para acompanhá-lo, revela-se uma construção de cena correta e funcional;

Excelente: a seqüência do discurso é irretocável, mostrando não só todo o potencial do diretor, como dos atores, que são o grande trunfo do filme.


Além da irregularidade da direção, o que mais me incomoda em O Discurso do Rei é o fato de Hooper e do roteirista David Seidler (Tucker – Um Homem e seu Sonho) mostrarem a gagueira como sendo a única dificuldade que o rei enfrenta, ignorando todo o resto de seus problemas e suas responsabilidades. A impressão que tive é que a única função de um Rei é fazer discursos, deixando de lado todas as suas obrigações. Visando justificar suas decisões, Seidler ainda inclui um diálogo em que o rei reclama de sua impotência e falta de poder. Isso seria uma solução correta, não fosse o fato de que em outro momento, o Duque de York confronta o seu irmão – pouco tempo após esse assumir o trono – criticando-lhe por não cumprir com seus deveres como monarca, o que torna o texto contraditório.

O elenco que, como disse antes, é o diferencial do filme, é liderado por um inspirado (e premiado) Colin Firth, que faz do seu George VI uma pessoa sensível e amorosa com a família, ao mesmo tempo em que, atormentado por sua condição, revela um temperamento explosivo com os outros. Enquanto isso, Geoffrey Rush surge mais uma vez ótimo, como Logue, sendo alguém incapaz de intimidar-se pelo cargo de seu paciente, inclusive importunando-o e tratando-o de igual para igual. Fechando o trio principal está Helena Bonham Carter, como a compreensiva e paciente Rainha Elizabeth, que, dona de uma personalidade forte e nada submissa, não hesita em demonstrar sua opinião negativa em relação à nova cunhada (e rainha da época).

Para concluir basta dizer que O Discurso do Rei é, de fato, um bom filme. É divertido, comovente e gostoso de assistir. Só não considero que isso seja suficiente para premiá-lo como o melhor filme do ano. Acredito que esteja na hora da Academia atualizar-se em relação às suas preferências. Fica a dica.

Nota: (Bom) por Daniel Medeiros


Trailer: